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A disrupção das startups pode ajudar o setor público? O BrazilLAB aposta que sim, e trabalha para isso

As Founders do BrazilLAB contam como buscam reduzir burocracias e custos e melhorar processos, encurtando o caminho entre soluções de empreendedores de tecnologia e o que é aplicado no setor público.
Em 31 de August de 2018

*Artigo produzido por Marina Audi para o portal do Projeto DRAFT.

Anos de eleição presidencial sempre trazem à tona debates sobre temas sensíveis como desemprego, instabilidade econômica e violência. Letícia Piccolotto, 37, cofundadora e CEO do BrazilLAB — hub de inovação que acelera soluções e conecta empreendedores de tecnologia com o setor público — ousa lançar outra prioridade: transformar o governo do Brasil em uma plataforma digital segura e eficiente. Diante dos desafios da educação, saúde e segurança pública isso pode não parecer tão importante. Mas Letícia afirma que não fala de tecnologia pela tecnologia:

 “Procuramos tecnologias para resolver problemas de áreas estratégicas, reduzir burocracia e custo, melhorar processos e a relação entre governantes e cidadãos”, destacou Letícia.

 Como conector, o BrazilLAB, fundado em 2016, atua em duas pontas. Do lado dos empreendedores, o trabalho consiste em identificar as melhores tecnologias que possam ser adaptadas a uma estratégia B2G (G de governo) por meio do programa de aceleração anual. A cada edição são propostos desafios diferentes para os participantes. Na primeira, em 2016, os fundadores foram desafiados a pensar em soluções inovadoras para as áreas de Educação, Sustentabilidade Ambiental e Saúde. Foram selecionadas 12 startups e a vencedora do Demoday (a Casa so+ma) foi premiada com 5 mil dólares.

 Na 2ª edição, em 2017, o programa ficou mais parrudo: os desafios foram nas áreas de Comunicação, Agricultura Urbana e Equilíbrio Fiscal. Foram 15 startups selecionadas e o valor de premiação passou a 50 mil reais. A chamada para o programa de 2018 está aberta. O desafio atual é para soluções em Meio Ambiente, Gestão de Pessoas, Saúde, Inclusão, Educação Empreendedora, Segurança Pública e Cybersegurança.

 

COMO É EMPREENDER COM O PODER PÚBLICO

Vale lembrar que quando se fala em ter o governo como uma plataforma é preciso ter certeza de que isso é seguro, de que os dados não serão hackeados ou utilizados de forma indevida. Os vencedores receberão um contrato de investimento, que pode variar de 50 a 200 mil reais e apoio durante a implementação dos projetos.

Já do lado do poder público, a tarefa do BrazilLAB é identificar líderes que serão os early adopters, pessoas que comprarão as ideias inovadoras e ajudarão os empreendedores a viabilizarem as soluções dentro das prefeituras e governos.

Letícia conta que, desde sua fundação, a organização promove debates bem críticos e eventos abertos para os quais sempre procura trazer representantes do mercado, da academia, líderes do governo, dos tribunais de contas e do Ministério Público. “Os órgãos de controle têm papel fundamental para conseguirmos difundir as inovações. Muitas vezes, são eles que barram esses projetos. Estimulamos o diálogo e questionamento o por que algo não está avançando e o que mais precisamos fazer.”

 Um exemplo do compromisso de mobilizar a sociedade em torno dessa agenda é o GovTech: Construindo uma agenda digital para o setor público, do qual Letícia é uma das curadoras. “Ao fim dessa primeira edição (a ideia é que o evento seja bianual), criaremos um documento que sintetize propostas e reflexões relacionadas à promoção da inovação no país e de como podemos ter um governo 100% digital”, diz. O evento, que começou ontem e termina hoje, pretende ficar na cola dos presidenciáveis e suas propostas de plano de governo nesta pauta. A ideia é que, adiante, quem ocupar a presidência seja cobrado.

 

ELA SONHAVA EM ATUAR NA ONU, MAS COMEÇOU NO MERCADO FINANCEIRO

Muito antes de fundar o BrazilLAB, Letícia já trazia a vontade de trabalhar com algo que pudesse mudar o mundo. Filha de José Eduardo Ferreira, um sociólogo e historiador que chegou a ser preso durante a ditadura militar brasileira, ela se acostumou a falar de política na mesa do jantar. Ela, que se considera uma idealista pragmática, afirma: “Meu pai foi uma grande referência para mim porque ele acreditava que a gente podia mudar a nossa realidade e é isso que eu carrego dele até hoje”.

Ela se formou em Relações Internacionais pela PUC-SP porque sonhava seguir a carreira de diplomata ou trabalhar na ONU. Na faculdade, se envolveu com política estudantil e foi presidente do Centro Acadêmico. Mas por ironia do destino, Letícia começou a carreira em 2000, no mercado financeiro, como estagiária do banco Goldman Sachs. Ela fala que foi uma experiência interessante e, após um ano e meio, saiu de lá com o objetivo de trabalhar com algo que causasse impacto.

Foi, então, para a Endeavor em uma época em que pouco se ouvia sobre empreendedorismo. “Falar que eu trabalhava em uma organização não governamental que fomentava o empreendedorismo no Brasil era algo surreal. As pessoas achavam que ONG tinha que atender populações carentes ou lidar com questões ambientais.” Mais do que lutar contra o tabu, ela conheceu histórias marcantes. “Na Endeavor, me apaixonei muito pela força dos empreendedores e o quanto eles se mantêm ativos, independente do cenário negativo.”

Nesse mesmo período, ela fazia mestrado em Ciências Sociais. “Acho que quando se estuda e se tem uma visão mais teórica dos desafios que a sociedade vive, conseguimos concretizar mais as coisas no campo prático. Meu projeto de tese foi sobre empreendedorismo no Rio de Janeiro com famílias de baixa renda”, diz a CEO.

Em 2005, Letícia foi convidada por Beto Sicupira a ingressar na Fundação BRAVA, organização sem fins lucrativos que desenvolve e apoia iniciativas de impacto. Lá trabalhou diretamente com governo, tendo a gestão pública no centro do desafio. Ela fala mais a respeito:

“As ONGs são verdadeiros laboratórios de políticas públicas. Mas para realmente transformar a realidade, tínhamos que trabalhar junto com o governo”

E continua: “Foi lá que me apaixonei pelo potencial que temos de transformar o setor público brasileiro”. Quando a iniciativa privada começou a procurar a Fundação BRAVA para buscar formas de colaborar, dialogar e contribuir com o setor público, Letícia percebeu a oportunidade de trabalhar com investidores sociais e de trazer para o país o conceito de philanthropy office, organização que terceiriza o investimento filantrópico para grandes investidores.

Assim surgiu a FIBRA SOCIAL, que funcionou de 2012 até o meio deste ano. Foi a primeira vez que Letícia empreendeu. “Acho que eu poderia ter chegado mais longe se tivesse sócios, pessoas que estivessem comigo na gestão do dia a dia. Equipe operacional eu tinha, mas sentia falta de uma troca estratégica.”

 

QUANDO UMA BOA PARCERIA FAZ A DIFERENÇA

A partir da experiência de trabalho para a Fundação BRAVA e com clientes da FiBRA, Letícia se deu conta da importância do impacto e do quanto a tecnologia poderia ser uma ferramenta poderosa para transformar o setor público brasileiro. “Tive a ideia do BrazilLAB, mas não queria fazer sozinha”, diz. Então, convidou a “amigona” Mariana Soares, 36, atual COO, para se unir a ela nesta empreitada. “Queria alguém com quem pudesse curtir a trajetória, pois empreender com 35 anos não é fácil.”

Para começar, as fundadoras levantaram 200 mil reais com o Bank of America Merrill Lynch e o Instituto Betty & Jacob Lafer. Como qualquer negócio, no começo, elas passaram por vários altos e baixos. “Durante o primeiro ano, tivemos de usar a criatividade de uma forma exponencial.” A CEO diz ainda que para darem conta do recado, os sacrifícios foram grandes. Tanto Letícia quanto Mariana são mães e se desdobraram para conciliar a maternidade com o negócio. Elas também contam que, como não tinham orçamento para contratar profissionais seniores, montaram uma equipe júnior.

No segundo ano de operação, a dupla precisou captar uma nova rodada de investimentos com o Instituto Humanize e a Fundação BRAVA. Hoje, o BrazilLAB gera receita porque desenvolveu um modelo de trabalho de customização de programas de aceleração para empresas públicas. A primeira experiência aconteceu no primeiro semestre deste ano, com a Iguá Saneamento. Outras propostas estão em vias de serem fechadas e Letícia projeta um faturamento de 1,5 milhão de reais para 2018.

Em paralelo à sua sede paulistana, o BrazilLAB montou também um escritório em São José dos Campos por entender que a região do Vale do Paraíba tem potencial para ser o Vale do Silício brasileiro. A ONG tem dialogado e tentado estabelecer programas e experiências junto com as prefeituras desta cidade e de Taubaté. Segundo Letícia, a receptividade tem sido boa.

A missão atual do BrazilLAB é destravar a parte jurídica e a regulação sobre as relações entre startups e o poder público, como diz Letícia:

“Para a inovação ocorrer em larga escala, precisamos de um ambiente jurídico mais propício e mais seguro”, comentou Letícia. E prossegue: “Temos focado em rever a legislação e pensar em novos mecanismos para contratação mais segura de fornecedores e startups por parte do poder público”. Para gerar impacto mais rápido, elas entendem que não há outro caminho a não ser incluir o governo como ator estratégico. Uma rede de 3 600 empreendedores já está com elas nessa jornada.

Leia o artigo no site do Projeto DRAFT.

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