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O Dinheiro e a Sereia: as Campanhas Eleitorais no Brasil

Artigo produzido por George Avelino (FGV-SP) e Letícia Piccolotto (Fundação Brava - BrazilLAB) sobre financiamento de campanhas eleitorais no Brasil.
Em 27 de September de 2019

Quando comparado às mudanças ocorridas com as políticas públicas, o debate sobre o funcionamento do nosso sistema político ainda deixa a desejar. Nessa área, a maioria das propostas ainda carece de base empírica sólida, e se utiliza de casos selecionados apenas para ilustrar certo argumento que se quer “provar”. Este descompasso entre a análise da política e a das políticas públicas traz dificuldades consideráveis para quem se dedica a renovar essas últimas, pois limita a compreensão das restrições impostas pelo sistema político na formulação de propostas de inovação, reduzindo as chances de implementação das mesmas.

Essas dificuldades são bem ilustradas no debate sobre os custos das eleições no Brasil. Nesse caso, embora exista produção acadêmica relevante sobre o tema, o debate público ainda é polarizado entre alguns que consideram os custos eleitorais muito altos e outros que os consideram muito baixos, ambos sem grandes referências aos dados. Essa lacuna dificulta a compreensão sobre o tema e, consequentemente, sobre a influência do dinheiro nos resultados eleitorais.

Como se sabe, a influência do dinheiro nas eleições deve ser limitada; caso contrário, o direcionamento dos resultados invalidaria a incerteza inerente aos processos eleitorais democráticos. Na feliz metáfora de Adam Przeworski, as eleições são a sereia da democracia, cujo canto faz derrotados acreditarem que terão melhores chances de vitória no futuro. Se o viés introduzido pelo dinheiro nos resultados eleitorais for muito grande, o canto da sereia perde a sua atratividade, levando os derrotados a acreditar que seus interesses serão melhor servidos por ações fora das instituições democráticas, levando à solução dos conflitos pela via autoritária - algo que atemoriza países mundo afora.

Para avançar na compreensão sobre o financiamento e os gastos de campanha no Brasil, o FGV-CEPESP e a Fundação Brava uniram esforços para realizar uma pesquisa baseada nas evidências disponíveis visando responder a três perguntas.* A primeira seria sobre a influência do dinheiro nos resultados eleitorais. Dada a nova legislação que, ao proibir o financiamento empresarial, reduziu consideravelmente a oferta de recursos, como a última eleição se compara às anteriores? Os resultados indicam que houve uma redução na disparidade de recursos entre os candidatos, tornando a eleição de 2018 mais competitiva que as anteriores. Os maiores perdedores com as novas regras foram os candidatos homens, brancos e de maior escolaridade, que teriam acesso mais fácil aos recursos empresariais proibidos pela nova legislação.

A segunda, sobre o percentual dos recursos de campanha que não foram declarados à Justiça Eleitoral - os recursos declarados representaram apenas a “ponta do iceberg” dos utilizados nas campanhas? Utilizamos os valores determinados pelas sentenças judiciais em primeira instância relacionadas à Operação Lava-Jato. Para nossa surpresa, verificou-se que o montante utilizado como recursos eleitorais não contabilizados seria menor do que o esperado, variando entre 6 e 46% dos recursos declarados ao Tribunal Eleitoral.

A terceira pergunta é como a legislação brasileira sobre financiamento de campanha se compara com a adotada em outros países? A comparação indicou que quase 70% dos países oferece financiamento público para as campanhas eleitorais. Da mesma forma, em quase 65% existe acesso gratuito ou subsidiado dos partidos políticos às mídias tradicionais. Destaque também para os mecanismos de controle dos gastos eleitorais brasileiros, que se mostraram bem mais sofisticados que a média internacional.

Como se sabe, três variáveis determinam os custos da campanha eleitoral: a oferta de recursos, a demanda e os instrumentos de campanha através dos canais. O trabalho focou apenas na oferta de recursos e sua distribuição entre os candidatos. Quanto à demanda, muitos argumentam que os custos da campanha no Brasil são altos em razão do nosso sistema eleitoral de lista aberta, distritos grandes e muitos candidatos. Essa estrutura imporia logística complexa e cara para atingir o eleito; a bem da verdade, embora o argumento faça sentido, ele ainda carece de verificação empírica rigorosa. 

Finalmente, é importante notar inovações importantes nos instrumentos das campanhas eleitorais, principalmente através do uso da tecnologia. Um avanço já consolidado com relação ao financiamento, é o uso de ferramentas de ‘crowdfunding’ – com regras bem estabelecidas, o que permite maior participação dos eleitores. Quanto aos custos, as variadas formas de organizar campanhas e mobilizar eleitores proporcionadas pelas mídias sociais podem reduzir os custos. Em suma, ainda há muito por fazer; o presente estudo, esperamos, foi apenas um primeiro passo na direção correta.



George Avelino, 61, PhD em Ciência Política pela Universidade de Stanford, é professor da FGV-SP e coordenador do Centro de Política e Economia do Setor Público (FGV-CEPESP).

Letícia Piccolotto, 37, é presidente executiva da Fundação Brava e fundadora do BrazilLAB, um hub que conecta líderes públicos abertos à inovação com empreendedores que tenham soluções eficazes para o desenvolvimento do Brasil. Possui especialização em Liderança pela Harvard Business School e em administração pública pela Harvard Kennedy School. Nos últimos 15 anos atuou em diferentes organizações, como o Banco Goldman Sachs, o Instituto Empreender Endeavor, o CLP – Liderança Pública e a Fundação Bloomberg.

 

*  Como a pesquisa pretende contribuir para o debate público e fortalecer o canto da nossa sereia democrática, os resultados encontram-se disponíveis no site do FGV-CEPESP (http://www.cepesp.io/publicacoes/os-custos-da-campanha-eleitoral-no-brasil-uma-analise-baseada-em-evidencia/).

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