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A área da Saúde é completamente dependente da inovação - Confira a entrevista com Januário Montone

Januário Montone foi Secretário Municipal de Gestão no município de São Paulo entre 2005 e 2007, à partir de então assum
Em 20 de February de 2017

Januário Montone foi Secretário Municipal de Gestão no município de São Paulo entre 2005 e 2007, à partir de então assumiu a pasta da Saúde, onde ficou até 2012. Na administração pública há mais de vinte anos, participou do processo de regulação do setor de saúde suplementar e da criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), da qual foi o primeiro Diretor-Presidente, de 1999 a 2003. Com ampla experiência em saúde pública, Januário concedeu uma entrevista para a equipe do Brazil Lab e falou sobre empreendedorismo, saúde pública e inovação. Ele destacou que entre as principais dificuldades que temos na saúde brasileira hoje está a incapacidade de integrar os dois subsistemas de saúde, o público e o privado, aproveitando o que cada um tem de melhor em qualidade e sustentabilidade.

Januário é um dos convidados para a palestras sobre "O Poder da Tecnologia na Saúde Pública" promovido pelo Brazil Lab no dia 23/06 no Red Bull Station.

Como você vê o atual cenário da saúde pública em São Paulo?

Januário Montone:

Os paulistas e paulistanos, como os brasileiros em geral, estão descontentes com os serviços públicos de saúde, mesmo dispondo dos melhores serviços disponíveis no SUS. Desde 2001 a rede estadual aderiu ao modelo de parceria com Organizações Sociais, entidades sem fins lucrativos e com reconhecida atuação no setor saúde. Hoje são quase 50 hospitais geridos nesse modelo, com indicadores muito melhores que as unidades tradicionais. A cidade de São Paulo aderiu ao modelo a partir de 2005 e o adaptou às necessidades da rede de atenção básica. Não apenas os hospitais, mas todas as unidades de saúde de uma determinada região são gerenciadas por organizações sociais. O modelo teve forte expansão a partir de 2007 e sobreviveu à mudança de governo decorrente da eleição de 2012. Apesar das ameaças no período eleitoral o modelo foi mantido, na sua essência, embora com algumas distorções. O problema aqui é o mesmo de modelos inovadores como as Agências Reguladoras. Os governos não têm força para extinguir um modelo com o qual não concordam pelo simples fato que ele funciona, mas não aderem estrategicamente ao modelo o que acaba comprometendo seu avanço e seu aperfeiçoamento.

Qual a importância do empreendedorismo e da inovação para essa área?

Januário Montone:

A área da Saúde é completamente dependente de ações empreendedoras e de inovações em todos os campos, seja nos aparatos clínicos, seja nos sistemas de gestão. O processo de desenvolvimento e a incorporação de novas tecnologias no setor é acelerado, acompanhando a complexidade das mudanças populacionais no Brasil e no Mundo. Em pouco menos de cinquenta anos (de 1970 para cá) tivemos um aumento de 126% em nossa população e hoje quase 90% dela é urbana. Desde 1988 nosso sistema público de saúde, que só atendia trabalhadores com carteira assinada e seus dependentes, passou a atender todos os brasileiros. O desafio permanente é a busca de alternativas para propiciar ao maior número de pessoas o acesso às técnicas e aparatos mais modernos e eficazes para melhorar sua qualidade de vida.

Quais os casos que você pode apontar como casos de sucesso de empreendedorismo no setor público na área de saúde?

Januário Montone:

O empreendedorismo primordial para mim é a implantação do modelo de parceria com Organizações Sociais e Parcerias Público-Privadas. O modelo traz para o setor público a agilidade, flexibilidade e efetividade do setor privado, mantendo o caráter público do acesso e atendimento. Isso permite absorver com velocidade infinitamente maior os avanços tecnológicos e nos modelos de atenção, ajustando-se às mudanças do perfil epidemiológico das populações, das condições sócio-demográficas e outras.

O que você acha do trabalho de empresas como a Memed e o Saútil, que estão mudando a forma como os serviços de saúde são consumidos?

Januário Montone:

São ótimos exemplos de ações inovadoras no setor quebrando paradigmas e simplificando o acesso aos serviços de saúde. Também são bons exemplos da falta de integração do setor público e do setor privado. O Saútil, por exemplo, oferece um guia dos serviços de saúde disponíveis no SUS e nas redes privadas de baixo custo, uma poderosa ferramenta de promoção e prevenção. Esse modelo de atendimento poderia ser absorvido pelo setor público oferecendo uma plataforma inovadora de cuidados, um assistente virtual que poderia ser o “Agente Comunitário de Saúde” do Século XXI. No modelo tradicional de gestão do SUS isso é cheio de obstáculos quase intransponíveis. O mesmo ocorre com a Memed com seu sistema de prescrições digitais. A plataforma facilita a atuação dos profissionais médicos, disponibilizando um conjunto de informações de apoio para escolha das melhores opções disponíveis, incluindo uma análise de custo para o paciente. É uma ferramenta que poderia, por exemplo, ampliar a confiança nas vendas de medicamentos pela internet, hoje baseada em prescrições digitalizadas precariamente, certificando as prescrições para efeitos de controle e permitindo ao paciente a busca do melhor preço.

Saiba mais sobre as empresas que estão inovando na saúde brasileira, a Memed e o Saútil

 

Quais seriam, na sua opinião, os principais gargalos na saúde pública brasileira?

Januário Montone:

Nós temos um sistema público de saúde com o melhor modelo de atenção disponível, baseado na Atenção Primária, na promoção e prevenção à saúde, com porta de entrada tecnicamente controlada através das unidades básicas de saúde e dos pronto-atendimentos que fazem o encaminhamento para os tratamentos necessários. Esse sistema tem recursos financeiros insuficiente e perdas sistêmicas imensas devido à disfuncionalidade do seu modelo de governança e do seu modelo de gestão. A União, os Estados e os Municípios participam do financiamento e o sistema decisório é colegiado por que se trata de entes autônomos entre si, pulverizando os recursos e as decisões entre 5.700 municípios, 26 Estados e o Distrito Federal, além da União. Como agravante o modelo de gestão predominante ainda é o burocrático clássico, incapaz de lidar com áreas de prestação de serviços e de prontidão como é a saúde. O sistema privado tem mais que o dobro dos recursos per capita em relação ao SUS e dispões de modernos sistemas de governança e gestão que permitem a eficácia e efetividade máxima de cada real recebido e gasto. Porém, seu Modelo de Atenção é o da medicina curativa, autoreferido, de livre acesso do usuário. É o usuário que decide se “precisa” ir ao cardiologista, ou ao endocrinologista ou o que for. Não há prevenção, apenas a busca de atendimento quando os sintomas se manifestam. Nosso maior gargalo é a incapacidade de integrar esses dois subsistemas de saúde, o público e o privado, aproveitando o que cada um tem de melhor, para a qualidade e a sustentabilidade do sistema.

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