No primeiro fim de semana de maio, quando começava a enchente que causaria a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul, a plataforma de geolocalização de dados Place paralisou suas atividades comerciais para iniciar uma série de ações voltadas ao auxílio das vítimas.
Enquanto bairros inteiros ficavam submersos, a startup passou a fornecer, em mapas, a localização de abrigos. Com o temor crescente de que as águas tomassem novas áreas, a empresa disponibilizou, também em mapa, a mancha de enchentes elaborada pelo GESPLA (Grupo de Gestão e Planejamento de Recursos Hídricos, da UFRGS), que mostrava os locais que seriam alagados conforme o nível do Guaíba que, naquele mês, registrou sua máxima histórica de 5,3 metros. Nesse cenário, em que bairros inteiros deveriam ser evacuados, muitas vias estavam bloqueadas, intransitáveis ou congestionadas. O site da empresa passou mostrar a localização das estradas e suas respectivas condições, com atualizações constantes.
A disponibilização dessas e outras informações fundamentais para a população gaúcha naquele momento mostra como a tecnologia pode auxiliar a gestão de municípios, algo que a Place realiza desde 2021.
Criada um ano antes como braço de tecnologia do grupo de desenvolvimento imobiliário OSPA, a Place chegou ao mercado como proptech que, a partir da geolocalização de terrenos, da legislação urbanística a eles aplicada e dados de mercado (como valor do metro quadrado na região), fornecia, em um clique, o cálculo do quanto era possível construir em cada terreno, uma simulação volumétrica de como seria o prédio naquele local, custos de obras, Valor Geral de Vendas (VGV), dentre outros. Inicialmente voltada a incorporadores, a solução chamou a atenção de prefeituras, que buscavam sistemas voltados à melhoria de sua gestão.
A fim de aprimorar sua atuação para o atendimento a esse público, a startup ingressou no maior Programa de aceleração de startups GovTech do país, o BrazilLAB. Como resultado, foi a govtech vencedora da última edição, em 2023.
Ainda naquele ano, a Place foi contratada pela Ernst & Young para realizar um levantamento de dados que auxiliasse a Prefeitura de Porto Alegre a compreender, em meio à revisão de seu Plano Diretor, tendências em curso e a dinâmica da cidade.
O trabalho resultou na criação de um sistema de geolocalização de diversos grupos de dados, como lançamentos imobiliários por região, localização de escolas, hospitais, trajetos de linhas de ônibus, vias com maior número de acidentes, a diferenciação de bairros conforme a arrecadação de IPTU com comparativos por período, dentre outros que colaboram para a gestão urbana.
“Reunimos informações que estavam dispersas em arquivos de diferentes formatos, o que impossibilitava sua interpretação”, diz Flávia Tissot, co-fundadora e COO da Place. “Os registros sobre acidentes de trânsito, por exemplo, estavam originalmente em um Excel com cerca de 50 mil linhas, que traziam informações sobre as ocorrências, datas e horários, tipo de veículos envolvidos e se houve óbito(s). Da maneira como estavam dispostos, esses dados não permitiam qualquer entendimento. Após organizarmos essas informações em mapas, ficou claro onde os incidentes eram mais comuns e quais ações deveriam ser realizadas”, explica.
Inteligência Artificial
Mais que a geolocalização de dados, a especialidade da Place é reunir e organizar dados de diferentes fontes a fim de apresentá-los de forma simplificada. Foi a partir desse princípio que a plataforma desenvolveu, sob encomenda da AsBEA SC, o Chat Plano Diretor Florianópolis. Com o uso de inteligência artificial, a ferramenta responde a quaisquer dúvidas sobre a legislação urbanística da capital catarinense, desde as mais básicas às mais complexas e técnicas. Apesar do nome, a solução está longe de se restringir às disposições de uma única lei.
“No caso de Florianópolis, as normas estão contidas em 50 arquivos e mais de 20 decretos que alteram o Plano Diretor (Lei 739/2023) e o Código de Obras. Mesmo para arquitetos com anos de atuação em Florianópolis, essa dispersão impõe que muita pesquisa seja realizada antes que os projetos sejam iniciados e, mesmo assim, não é comum que alguma limitação seja ignorada”, diz. “Já com o Chat, tudo que a legislação versa sobre determinado tema é apresentado em segundos, com a indicação dos artigos das leis e decretos onde figuram, o que acaba por agilizar a posterior aprovação dos projetos”.
“Prefeituras de todo o país registram muitas demandas de munícipes com dúvidas sobre a legislação urbanística. Para respondê-las, servidores são deslocados de suas atividades principais e perdem tempo com algo que o Chat poderia atender. Por isso, a ferramenta foi treinada para responder não apenas a questões técnicas de profissionais da construção, mas também às mais básicas”.
Outro exemplo das possibilidades geradas pela plataforma foi lançado ainda em agosto pela Prefeitura de Belo Horizonte. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico da capital firmou parceria com a Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) para que a Place desenvolvesse uma solução voltada à orientação a empresários sobre os melhores locais para a instalação de seus negócios.
O Mapa Empreende BH disponibiliza gratuitamente a qualquer pessoa no endereço pbh.gov.br/empreendedor a localização de imóveis comerciais disponíveis, suas dimensões, características e o tipo de estabelecimento comercial que pode funcionar nesses locais. “A análise da permissividade de uso em ruas e avenidas é um dos fatores mais importantes na definição do ponto onde se instalará uma empresa. Muitos empreendedores acabam descobrindo apenas quando vão aprovar seus projetos, já com imóveis alugados, que o tipo de atividade pretendida para aquele local é vetado pela legislação urbanística”, afirma.
O Mapa Empreende BH também apresenta outros indicadores fundamentais para o êxito e sustentabilidade de negócios. A partir dos CNAES, a ferramenta identifica a localização de empresas pelo seu ramo de atividade, além de seus portes e tempo de funcionamento. “Para um empreendedor, é importante saber onde estão seus concorrentes ou mesmo outros negócios que podem influenciar sua atividade. Se a intenção é abrir uma farmácia, por exemplo, a proximidade de clínicas e hospitais é um fator que favorece as vendas”.
A fim de facilitar sua contratação por gestões municipais, a plataforma firmou parceria com a ProdaBel – Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (MG) – que, como companhia pública, pode prestar serviços a outras prefeituras. “Com esse acordo, prefeituras podem, ao invés de contratar uma empresa para desenvolver sistemas próprios, contratar a ProdaBel para implantar o sistema, com a incorporação de suas leis e outras variáveis de interesse de forma muito mais ágil e econômica”, diz Flávia.
