A recente reviravolta no cenário global e a aversão dos investidores internacionais ao risco pegou de surpresa startups do mundo todo, no Brasil não foi diferente. Dentro desta nova realidade desenha-se um cenário onde estratégias e modelos de negócios precisam ser repensados.
As startups brasileiras são em sua maioria focadas no modelo B2B, que sempre seguiu a cartilha de investir pesado em eventos, patrocínios e ações de relacionamento.
Como as startups brasileiras poderão atravessar o desfiladeiro de juros altos, inflação, guerra na Ucrânia e instabilidade política justamente num momento em que contam com menos dinheiro em caixa e menos apoio dos seus investidores?
Diante de uma análise mercadológica mais conservadora e uma expectativa de crescimento sustentável no longo prazo, as startups precisarão desenvolver um novo padrão de estratégia e comunicação. Aqui, o desafio será balancear o fechamento das metas do trimestre com a construção madura e rentável de uma empresa sólida no longo prazo.
O novo B2B e as startups brasileiras
O modelo B2B, deve ganhar vida nova com o fortalecimento do cenário brasileiro de startups e inovação aberta. Falar de startups no Brasil deveria ser sinônimo de mercado corporativo – e a maioria não percebeu isso ainda.
De acordo com o último estudo publicado pela Associação Brasileira de Startups, metade dos empreendedores estão focados no mercado B2B. Se considerarmos também modelos de negócio B2B2C, como os marketplaces, chega-se a pouco mais de 85% do total de startups brasileiras direcionadas a vendas para outras empresas.
É fundamental perceber como as empresas de growth precisarão adotar cada vez mais estratégias diferentes daquelas implementadas por empresas tradicionais. A prática que estas empresas seguem é, geralmente, a mesma desde a era pré internet. Já é senso comum que a pandemia foi a catalisadora de parte desta mudança, porém estamos falando de uma mudança sistêmica de visão estratégica.
Sobre inverno, cisne negro e startups
Com a chegada do chamado “Inverno das Startups” no começo de 2022 os fundos de investimento perceberam que comprar clientes com isenção de tarifas, cupons de desconto generosos e frete grátis pode ser muito perigoso. Afinal, por que amargar tantos prejuízos?
Uma das principais teses que circulava até o início de 2022 no Vale do Silício levava investidores a serem pacientes e mirarem no longo prazo, acreditando na estratégia de “winner takes all”. Essa estratégia prega que a operação pode suportar sucessivos prejuízos bancados por seus acionistas até que a startup, em algum ponto no futuro, ganhe participação de mercado relevante ou (por que não?) torna-se o único player do setor.
Imprevistos acontecem e a teoria do cisne negro de Nassim Taleb se pôs mais uma vez à prova. O cenário global se alterou drasticamente e o que todos já sabiam veio à tona: alguns unicórnios mancos e startups com valuations desproporcionais às suas gerações de caixa. O alerta vermelho soou quando se percebeu que o life time value de boa parte da nova base de clientes poderia ser muito próximo ou menor do que seu próprio custo de aquisição. Ou seja, uma máquina de prejuízo.
A busca pela lucratividade e perenidade de uma startup torna-se questionável quando seu modelo de negócio opera em um racional deficitário como este. Os investidores, ao perceberem esta situação, deveriam perder o sono e alocar o capital em portos mais seguros, mas isso não aconteceu. Até agora.
Generalizações costumam ser perigosas, mas podemos agrupar alguns insights relevantes para empresas B2B – em especial as startups brasileiras.
Existe equilíbrio entre metas de curto e longo prazo?
Bater a meta do trimestre a qualquer custo ou construir um crescimento sustentável de anos? Um dos conceitos de marketing e estratégia mais interessantes da década passada está em um livro intitulado “The long and the short of it” (sem tradução em português) dos pesquisadores Les Binet e Peter Field.
Em resumo, ativações de marca geralmente funcionam no curto prazo, mas tendem a ser pouco eficientes e escaláveis. Isso ocorre porque a ativação de vendas é direcionada para leads prontos para a sua solução e que precisavam apenas de um incentivo para não adiar mais a compra. Alguns atuais clientes também aproveitam a deixa e antecipam sua recompra com valores mais baixos. Ou seja, você não cria demanda, apenas capta a demanda existente. Mas seria possível criar demanda para sua startup?
No B2B é muito provável que a maioria dos seus potenciais clientes não estejam interessados sequer em ouvir uma proposta. Estudos indicam que 95% dos seus potenciais clientes, em qualquer dado momento do tempo, ainda não estão no mercado buscando por uma solução. Desta forma, a tese afirma que o investimento de longo prazo pode gerar alguns frutos imediatos, mas seu real valor está em mirar nos outros 95%.
Pensando em termos de fluxo de caixa futuro e potencial de crescimento, o marketing começa a se aproximar mais da linguagem dos CEO´s e investidores tradicionais. Toda startup é avaliada pela sua capacidade de gerar caixa futuro trazido a valor presente e as startups se tornam mestres em engordar os multiplicadores dos seus valuations.
Todo CMO sabe da importância de conhecer e atender seu público, mas neste caso fica claro que é igualmente importante conquistar tanto as mentes e corações dos clientes quanto do board da empresa. Para isso é preciso falar a mesma língua do senior management: lucro. Mas isso é assunto para um outro artigo.