Um acontecimento dominou o debate nas redes sociais na última semana: o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão do Telegram no Brasil. A decisão se baseou no descumprimento judicial por parte da plataforma, que sucessivamente não respondeu às tentativas de contato e determinações apresentadas pelo governo.
Curiosamente, após a determinação judicial, o retorno veio rapidamente. O fundador da plataforma, Pavel Durov, utilizou o próprio Telegram para responder ao governo brasileiro, argumentando que as tentativas de contato anteriores haviam sido impossibilitadas por conta de problemas no email da instituição.
É difícil de acreditar. O Brasil é um importante cliente da plataforma que, nos últimos anos, viu um aumento vertiginoso de sua presença no país: o aplicativo está instalado em 60% dos smartphones, segundo a pesquisa Mobile Time/Opinion Box. Em janeiro de 2019, esse número era de 13%.
Outro fator reforça a desconfiança de que a dificuldade para responder ao governo brasileiro não se deve somente a uma falha de comunicação.
O Telegram se posiciona como um defensor da "liberdade de expressão" e, em outros países, como a Alemanha, a plataforma também já descumpriu decisões judiciais pela exclusão de perfis que difundiam notícias falsas ou conspiratórias sobre a pandemia de covid-19.
O caso Telegram é altamente controverso.
Não há dúvidas de que, caso se consolidasse, a suspensão do aplicativo seria uma medida extrema, que poderia impactar a vida de milhões de pessoas que se utilizam da plataforma para fins justos e lícitos —desde a simples comunicação com familiares e amigos, até como ferramenta de trabalho e estudo
Há também os que argumentam que a medida representa um cerceamento da liberdade de expressão, muito embora já haja evidências relevantes sobre como a ferramenta tem sido permissiva e omissa em combater usos ilícitos.
Não quero sintetizar debates tão complexos e profundos em algumas linhas. Me limito a dizer que o caso aponta para a relevância do debate ético em torno do uso da tecnologia — tema que já discuti aqui.
Quanto a isso, não há mais escapatória: mais cedo ou mais tarde —espero eu, o mais rápido possível— teremos que pactuar direitos, deveres e princípios compartilhados para orientar nossa presença e influência no mundo digital.
Só assim conseguiremos superar discussões infinitas sobre temas que já deveriam estar pacificados, como o fato de que liberdade de expressão não ser absoluta e dever sempre estar delimitada pelo direito à vida.
Em minha avaliação, portanto, o verdadeiro destaque do caso Telegram reside nos seus desdobramentos práticos.
E aqui entra em cena uma reviravolta: para evitar a suspensão, a plataforma se comprometeu a acatar as 10 exigências apresentadas pelo STF, que envolvem desde a exclusão de postagens, passando pela indicação de um representante legal da empresa no país, além do monitoramento dos canais brasileiros mais populares no Telegram.
Esse resultado é emblemático e muito simbólico: trata-se de uma vitória para a democracia e para as eleições.
Isso porque, em 2022, teremos diante de nós um desafio monumental. Para além de eleger as lideranças que deverão governar o país pelos próximos quatro anos, e que terão a tarefa de garantir a retomada social de toda a nação após anos de uma crise econômica, precisaremos fazer isso a partir de uma disputa pautada por evidências.
Será inconcebível repetir o que assistimos em 2018, quando diversos grupos tentaram desacreditar e influenciar o processo eleitoral, disseminando fake news por meio de aplicativos de comunicação, como mostram diversos especialistas.
Portanto, o caso reforça que as demandas pela conformidade das plataformas de comunicação devem continuar sendo apresentadas pelo governo brasileiro, e que as nossas instituições precisam continuar vigilantes, não para cercear liberdades, mas para garantir que a tecnologia possa ser um espaço de expressão sempre orientado por princípios éticos, especialmente o compromisso com a verdade.
Precisaremos observar os próximos passos, acompanhar de perto se as exigências impostas pelo governo brasileiro serão acatadas, mas já é possível afirmar que o caso Telegram abre um importante precedente para transformações em prol de um processo eleitoral mais transparente.
Confira o texto na íntegra no UOL/Tilt.
>> Confira mais textos publicados na coluna semanal de Letícia Piccolotto no UOL/Tilt. <<