Como ciberativistas usam a tecnologia para defender a Ucrânia na guerra

O avanço de tecnologias e inovações transformou o modo como os conflitos locais ou globais se desenvolvem e, principalmente, como são acompanhados por todas as pessoas ao redor do mundo
Letícia Piccolotto Em 07 de March de 2022
*Texto publicado originalmente na coluna semanal de Letícia Piccolotto no UOL/Tilt.

O indefensável aconteceu. Na última semana, e após um período de grandes tensões diplomáticas, a Rússia iniciou uma invasão à Ucrânia.

DA cobertura das notícias escancara esse exercício dual e demonstra como, no tempo atual, qualquer reflexão é marcada pela polarização e pelo embate de ideias —ao invés da construção de consensos que nos permitam avançar para uma solução pacífica.

Acredito que "ser neutro em situações de injustiça é estar ao lado do opressor" —como sabiamente nos ensinou Desmond Tutu— e, por isso, escolho, desde já, o meu lado, o das pessoas.

São elas que têm sofrido o impacto das decisões de seus governantes; é sobre elas que recai o peso de serem refugiadas, de perderem seus familiares. E é também das pessoas que nascem formas de resistência a uma guerra que, como todas as outras na história da humanidade, não tem propósito ou legitimidade.

O avanço de tecnologias e inovações transformou o modo como os conflitos locais ou globais se desenvolvem e, principalmente, como são acompanhados por todas as pessoas ao redor do mundo.

Esse fato não é novo, afinal, se relembrarmos o que vivemos durante a Primavera Árabe, veremos como as tecnologias de comunicação foram utilizadas para compartilhar acontecimentos em tempo real, denunciar abusos e, principalmente, possibilitar o engajamento daqueles que desejassem contribuir para amenizar o sofrimento de vítimas frente às consequências das guerras.

O conflito atual acontece depois de mais de uma década das manifestações nesses países dos continentes africano e asiático. De lá para cá, muita coisa mudou.

Diferentes e novas tecnologias surgiram, presenciamos uma democratização do acesso à internet e dos dispositivos móveis, assim como por uma maior presença da população no ambiente digital —ainda que, importante registrar, estejamos longe do cenário ideal em termos de acesso à tecnologia.

Todas essas importantes transformações tecnológicas possibilitaram algo que agora conhecemos muito bem: registros da invasão ao território ucraniano circularam na internet e redes sociais em segundos.

Se, por um lado, essas imagens, vídeos e áudios expõem graves violações aos direitos humanos —nos causando desespero e desalento— também são esses registros históricos, feitos por pessoas "comuns", que têm mobilizado centenas de milhares de apoiadores e uma onda maciça de reações da população da Ucrânia contra a invasão russa. Entra em cena o ciberativismo.

No ano passado, compartilhei aqui os resultados da pesquisa "Servidor Público do Futuro". Nela, a Fundação Brava e seus parceiros, com a ajuda do Institute for the Future (IFTF), traçaram oito cenários para o futuro do serviço público.

Um deles parece se aplicar perfeitamente ao contexto atual. As próximas décadas serão marcadas por um maior protagonismo da sociedade civil na proposição de alternativas para enfrentar desafios profundos e históricos.

Com isso, o poder de decidir e atuar não estará mais somente nas mãos dos governos e suas lideranças; haverá uma governança descentralizada, com atores de diversos setores agindo com autonomia para promover mudanças.

É o que temos visto com o ciberativismo em relação à Ucrânia: confrontados com a iminência de um conflito e suas consequências, indivíduos e organizações de todo o mundo têm apresentado alternativas para apoiar o país.

Essas iniciativas endereçam questões específicas de apoio às vítimas com suas necessidades mais imediatas e básicas —por exemplo, asilo e acesso à ajuda humanitária— mas também vão além, englobando ações voltadas à disseminação de informações confiáveis, a garantia do acesso à internet pela população local, assim como a organização de protestos e ações de pressão para que as nações adotem, o quanto antes, mecanismos para a resolução do conflito.

Uma dessas iniciativas é o portal "formas reais de ajudar a Ucrânia sendo um estrangeiro". Trata-se de um crowdsourcing —uma forma de compilar informações de maneira colaborativa— criado pelo hub ucraniano "Global Shapers", ligado ao Fórum Econômico Mundial.

Estão reunidas na página centenas de possibilidades de apoio ao país e sua população: de doações de recursos, passando por informações oficiais sobre o conflito, e até mesmo convocatórias para profissionais de tecnologia que sejam especialistas na detecção de vulnerabilidades nos portais oficiais do governo.

A propósito, a cibersegurança é a ordem do dia. O próprio ministro de Transformação Digital ucraniano, Mykhailo Fedorov, fez uma chamada para a construção de um "exército" que possa atuar no front cibernético para deter os ataques e apoiar a defesa digital do país. Já são mais de 34 mil inscritos no grupo criado para a iniciativa no Telegram.

Outro exemplo é o "Mundo com a Ucrânia". Uma chamada aberta a inovadores, empreendedores e ativistas que possam propor ações para apoiar o país em diferentes áreas, como captação de recursos, comunicação e ajuda humanitária.

Qualquer pessoa ou organização pode propor uma ideia, que será acelerada e apresentada em "Demodays" —bancas de avaliação, assim como faremos no BrazilLAB na próxima semana— até o final do mês de abril. As melhores ideias selecionadas receberão mentoria com especialistas, além de apoio para a implementação o mais rápido possível.

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Formas de apoiar a Ucrânia a partir do uso da tecnologia surgem a cada momento. Elas são diversas, descentralizadas e prometem trazer o impacto necessário, no tempo adequado para a urgência do momento.

Yuval Harari, em seu texto histórico sobre a invasão à Ucrânia, afirma que o país é uma nação verdadeira, formada por cidadãos verdadeiros e dispostos a lutar por sua liberdade e soberania. E que seus invasores já iniciam a disputa em derrota; ao subestimar o oponente não reconhecem que seu objetivo primordial não será alcançado.

O conflito pode ser longo, pode ser penoso, mas as histórias de coragem que estão sendo contadas a todo segundo unem nações, povos e são um motor para que a resistência se torne uma realidade já presente.

E embora o momento seja sombrio e de tristeza, também há lugar para a esperança: de que a tecnologia seja utilizada como ponte para conectar mentes inovadoras; e combustível para que reconheçamos, de uma vez por todas, que o poder de gerar transformações está nas mãos de todos e cada um de nós. Faça também a sua parte!

 

Confira o texto na íntegra no UOL/Tilt.

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