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Diálogo, vontade política e visão de longo prazo: as lições de Portugal para a transformação digital do setor público

Em evento realizado pelo BrazilLAB e pela Fundação Brava, Luís Góes Pinheiro, Secretário da Modernização Administrativa de Portugal, compartilhou aprendizados e conversou com especialistas brasileiros
Em 28 de June de 2019

Portugal é um fenômeno: além de sair de uma das piores crises de sua história para se consolidar entre as economias em maior ascensão do mundo, o país vem se tornando referência em administração pública digital. Como a inovação contribuiu para essa transformação? De que forma a digitalização tornou os serviços mais eficientes, gerou economia e ajudou a reerguer o país? 

Para responder a essas e outras perguntas, o BrazilLAB, em conjunto com o Consulado Geral de Portugal em São Paulo e a Fundação BRAVA, recebeu o Secretário de Estado Adjunto e da Modernização Administrativa de Portugal, Luís Goes Pinheiro, no evento "Modernização e Transformação Digital da Administração Pública: o exemplo português e os caminhos para o Brasil”.

Realizado na Casa do Saber, em São Paulo, o encontro teve a participação de Marcia Amorim, Secretária Especial de Modernização do Estado do Governo Federal, e do professor Francisco Gaetani, Pesquisador da EBAPE/FGV. 

 

Simplex: o alicerce da transformação portuguesa

Luís Góes Pinheiro começou destacando o amplo programa que norteou a transformação digital do estado em Portugal: o Simplex. De acordo com ele, trata-se de “um acordo, um contrato, um pacto entre governo e sociedade para implementar, no longo prazo, um grande conjunto de medidas administrativas para modernizar o setor público.” 

O programa foi implantado em 2006. Atualmente, abrange quase mil e setecentas medidas que têm ajudado a transformar a gestão pública de forma significativa. O Secretário mencionou algumas dessas iniciativas: 

  • Casa Pronta, um projeto de 2008 que consiste em facilitar o processo de aquisição de um imóvel. Isto é feito por meio da dispensa de registros provisórios, o que acelera os trâmites. E a população pode acompanhar todo o processo pelo celular;
  • IRS Automático: o IRS é o Imposto de Renda português. Por meio desse sistema, é realizado o preenchimento automático da declaração. O iniciativa beneficia cerca de 30% da população economicamente ativa de Portugal;
  • Cartão de cidadão: o RG português é um documento único que pode ser totalmente renovado pela internet, e o envio é feito para qualquer lugar do mundo. 

Góes Pinheiro reiterou que o Programa Simplex foi o grande indutor dessas medidas. Principalmente porque a visão a longo prazo permitiu que se evitasse um erro comum na implantação de inovação em governos: a falta de medição. “É preciso sempre monitorar o impacto de cada medida, porque aí sabemos exatamente os benefícios que ela traz. Em Portugal, com a medição de somente três dessas medidas, concluímos que a economia era da ordem de 620 milhões de euros. E o impacto na economia chega a um bilhão de euros”, afirmou. 

 

Letícia Piccolotto

Diálogo e liderança

Essa transformação implicou uma mudança cultural significativa. “Todas as medidas assentam-se no princípio de que a administração pública, assim como empresas, tem que inovar permanentemente. Não pode parar porque as pessoas estão mais exigentes”, destacou Góes Pinheiro. “Elas não entendem como podem falar com alguém do outro lado do mundo a qualquer momento, e como ainda têm que pegar fila para imprimir um documento, por exemplo”. 

Como promover essa mudança cultural? Por meio do diálogo e da liderança, assegurou Góes Pinheiro. “Essas medidas são elaboradas em comunicação permanente, quer com os funcionários públicos, quer com a sociedade. É muito importante a participação para se conhecer o problema -- e as informações precisam chegar ao nível mais alto possível. Em Portugal, é fundamental que seja o decisor a impor o caminho. Liderança é indispensável”, garantiu ele. 

 

Modernização como causa

Após a apresentação de Luís Góes Pinheiro, Marcia Amorim e Francisco Gaetani participaram de um debate conduzido por Letícia Piccolotto, do BrazilLAB. A Secretária Especial de Modernização do Estado do Governo Federal afirmou que a modernização do estado, para a atual gestão, “é uma causa que está sendo abraçada por profissionais de diversos ministérios”. 

De acordo com ela, atualmente, 46% dos serviços prestados pelo Governo Federal já são digitais. Ela lembrou um dado importante: um serviço digital custa 97% menos do que um serviço analógico. E também falou sobre o esforço do Governo de unificar os sites prestadores de serviços. “Ao todo, são cerca de 1.500 sites. Vamos centralizar tudo em um endereço, o Gov.br, com login único para que todos os serviços prestados pelo Governo Federal sejam acessados por lá”. 

 

Evento Portugal

Aversão ao risco e paralisia

Em sua fala, Francisco Gaetani confessou “inveja” ao ouvir a apresentação do Secretário de Estado Adjunto e da Modernização Administrativa de Portugal. Isto “porque muitas das iniciativas mencionadas são parecidas com medidas que o Brasil começou, mas não concluiu”. Como exemplo, ele mencionou a identidade única, “que está em debate há mais de vinte anos”. 

Para Gaetani, essa mentalidade está mudando. “Houve uma inflexão de consciência de sucessivos governos, e aos poucos vamos avançando”. Mas ele aponta um grande desafio: a aversão ao risco em licitações. “É paralisante. E é esse medo de errar que comanda a burocracia. Por isso, é preciso trazer o mundo jurídico para toda essa conversa, ou as coisas não saem do lugar”, afirmou. 

 

Portugal aponta o caminho

Aqui, a experiência portuguesa mais uma vez pode nos ajudar a encontrar saídas. O Secretário Luís Góes afirmou que, recentemente, foi aprovada no país uma medida que “afasta, congela” algumas normas para que a gestão pública possa testar e avaliar algumas iniciativas, tendo margem para errar. Isso vai facilitar o trabalho do LabX, que é o espaço criado pelo governo português para experimentar soluções que melhorem os serviços públicos e o dia-a-dia dos cidadãos e das empresas.

E Góes concluiu com uma reflexão para o longo prazo: “Quanto maior for o medo de errar, maior será a imobilidade da gestão pública. São necessárias intervenções ao longo do tempo para que isso não ocorra. Desde o começo, a nossa estratégia não mudou, mas vem sendo adaptada em função da realidade, que sempre está se transformando”. 

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