Os últimos anos trouxeram múltiplas adversidades para o Brasil e para o mundo. Enfrentamos desafios nunca antes pensados, como a pandemia da covid-19, cujos impactos nos atingiram tanto como sociedade, quanto como indivíduos. Em nosso país, especificamente, vivemos tempos ainda mais sombrios, nos quais retrocessos antes inimagináveis, começam a fazer parte de nosso cotidiano —como a fome. Nesse cenário, as eleições para os cargos de liderança nos poderes Executivo e Legislativo são cada vez mais fundamentais. O voto segue sendo a maior manifestação democrática e cidadã que temos à nossa disposição, e é através do poder de escolha dos nossos representantes, que podemos pautar as prioridades que desejamos para o nosso país.
Escolher com muita atenção os nossos governantes e analisar profundamente suas propostas e planos de governo devem ser um exercício da mais alta prioridade nas próximas semanas.
E nesse esforço, torna-se também importante retomar um dos temas mais frequentes nesta coluna: a necessária ampliação de mulheres nos espaços de poder, especialmente na política —como já apontei aqui. É imprescindível eleger mulheres para cargos de liderança como condição para avançar na luta pela equidade de gênero e por uma sociedade mais justa. E nessa seara, as notícias não são positivas. Em pleno 2022, a participação feminina na política continua sendo um gargalo nacional. Apesar de compormos 53% do eleitorado e representarmos 46% dos filiados a partidos políticos, as mulheres são apenas 33% (9.415) do total das 28.288 candidaturas para as eleições deste ano, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ou seja, em cada dez candidaturas apenas três são femininas. Embora o número de candidaturas femininas deste ano seja um recorde, a participação das mulheres em cargos políticos ainda avança de forma tímida. O percentual de candidatas cresceu apenas um ponto percentual em relação à disputa de 2018: saindo de 32% para 33% do total. O número geral deste ano é bem próximo do mínimo exigido pela legislação, que estipula cota mínima de 30% de mulheres na lista de candidatos.
A partir deste ano, os partidos políticos também são obrigados a destinar, no mínimo, 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas e devem reservar no mínimo 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão. A distribuição deve ser proporcional ao número de candidatas. Apesar do baixo crescimento percentual, as eleições de 2022 trouxeram alguns acontecimentos históricos: pela primeira vez, teremos quatro mulheres na disputa pela Presidência, recorde de candidatas desde a redemocratização. Caso os quatro nomes cheguem de fato até o fim das disputas nas urnas, as eleições deste ano superarão o maior número de mulheres presidenciáveis desde 2014.
Para as eleições locais, as mulheres estão em mais da metade (52%) das chapas que disputarão os governos estaduais. Contudo, a maioria delas disputará apenas o posto de vice-governadora. Ao todo, das 223 chapas lançadas para disputar os governos dos 26 estados e do Distrito Federal, apenas 38 possuem mulheres como candidatas a governadoras, isto é, apenas 17% das chapas. O segundo cargo com maior disparidade entre os gêneros é para o Senado: 179 (76%) são homens e 55 (24%) são mulheres. Já os cargos com menor diferença entre os gêneros são o de vice-presidente, com 7 representantes homens e 5 mulheres; e o de vice-governador, com 134 (60%) homens e 89 (40%) mulheres. Apesar do aumento da participação nas chapas, percebe-se que grande parte das candidatas femininas ocupa a posição de vice, e não de liderança. Tendo em vista esse diagnóstico, fica claro o quanto ainda é necessário avançar para que as mulheres tenham uma representação de destaque na política.
Temos avançado no debate em torno dos direitos das mulheres e temas como violência, maternidade e carreira têm ganhado espaço no cenário político. Mas não podemos aceitar que a participação feminina continue sendo de apenas 15% na Câmara de Deputados e 14% no Senado, como é hoje. E a desigualdade de gênero piora ainda mais quando falamos das mulheres negras, que representam 28% da população, e não ocupam sequer 5% das cadeiras dos parlamentos. O Brasil ocupa a 140ª posição do ranking da União Interparlamentar que avalia a participação política de mulheres em 192 países. Estamos atrás de todas as nações da América Latina, com exceção do Paraguai e do Haiti. Para se ter uma ideia, até a retomada do poder do Talebã, 27% do parlamento do Afeganistão era composto por mulheres.
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Apesar dos grandes desafios que temos pela frente, devemos ter a esperança de que no futuro viveremos em uma sociedade mais igualitária, na qual as minhas filhas terão a referência de grandes lideranças femininas, e que a política será um espaço de todos e todas. Felizmente, diversas iniciativas têm surgido para apoiar a jornada das mulheres na política, tanto através de coletivos e iniciativas da sociedade civil —como #ElasNoPoder e #AgoraQueSãoElas—, assim como iniciativas do setor público. Por exemplo, ações da Justiça Eleitoral no combate à violência política de gênero por meio de um canal exclusivo para denúncias sobre o assunto no Sistema de Alerta de Desinformação do TSE. E também com a criação da Lei nº 14.192 de combate à violência política contra a mulher, que completou um ano neste mês de agosto. Com essas medidas, as eleições de 2022 trazem novidades, como a proibição de propaganda eleitoral que deprecie a condição de mulher ou estimule a sua discriminação. Ou ainda a obrigatoriedade, nos debates, do respeito à proporção de no mínimo 30% e no máximo 70% de participantes de cada gênero. É verdade que caminhamos a uma velocidade aquém da desejada e necessária em prol da equidade de gênero na política. Mas é fundamental seguir, pelas gerações atuais e, especialmente, as que ainda virão.