Em um mundo regido pelo Big Data, Censo é fonte de riqueza, não de gasto

Censo mostra poder de seus dados de mudar o país, mas fake news atrapalham
Letícia Piccolotto Em 20 de September de 2022

A Clive Humby atribui-se a autoria de uma conhecida frase: "dados são o novo petróleo". Como já discuti aqui, essa analogia é perfeitamente atual e pertinente, já que o funcionamento de nossa economia, da produção industrial até a oferta de serviços, é completamente dependente da disponibilidade de dados e, por conseguinte, da infinidade de tecnologias geradas a partir deles — E como não podia ser diferente, a frase de Humby também se aplica ao setor público: sem dados, não há tomada de decisão efetiva possível; a oferta de políticas públicas depende da disponibilidade de informações sobre a temática que se deseja trabalhar —educação, saúde, assistência social, meio ambiente.

 

Uma importante fonte de dados demográficos da população brasileira é o Censo. Trata-se de um levantamento estatístico realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a cada 10 anos, que analisa a densidade e o perfil populacional das diferentes regiões do país. Como o nome sugere, esse levantamento busca coletar informações da totalidade da população e, após ter sido adiada por dois anos, a coleta de dados do Censo Demográfico 2022 foi iniciada pelo IBGE no dia 1º de agosto. A pesquisa terá a duração aproximada de três meses, e deve visitar mais de 75 milhões de domicílios brasileiros e 215 milhões de habitantes. Para realizar esse complexo trabalho, mais de 160 mil recenseadores foram contratados e percorrerão os endereços, de porta em porta.

 

O Censo possui um papel de extrema importância na concepção de novos programas e políticas públicas. A pesquisa é a principal base e fonte de informações sobre a população e uma das suas principais contribuições é o levantamento de dados sociais em níveis geográficos desagregados, como o bairro, por exemplo. Estes dados são especialmente relevantes pois, no período entre os censos, não há pesquisa ou estudo oficial que levante tantas informações sobre a população em aglomerações menores que o nível de município. Conhecer a base populacional e as condições de vida da população são fatores fundamentais tanto para determinar o público-alvo e planejar a oferta dos serviços públicos (educação, saúde, assistência social e transferência de renda), como para a criação de critérios para as transferências de recursos entre as esferas de governo.

 

Em 2019, do montante total de R$ 396 bilhões que foram transferidos pela União aos estados e municípios, cerca de R$ 251 bilhões (65% do total) foram transferências que consideraram dados de população. Um bom exemplo da importância do levantamento é o mapeamento da população em extrema pobreza conduzido nos Censos de 2000 e de 2010, que trouxe a garantia de uma boa focalização em programas como o Bolsa Família, e fez com que as ações de segurança alimentar e assistência social se dirigissem aos lares em situação de extrema pobreza na zona rural e nas periferias urbanas com alto nível de qualidade técnica e precisão, impactando iniciativas como o CadÚnico.

 

E a importância do Censo Demográfico não se limita apenas à criação de serviços públicos. A pesquisa é de extrema importância também para a tomada de decisão de empresas privadas e investidores. Escolhas estratégicas —como a seleção de locais para a instalação de fábricas, construção de lojas, a análise do perfil da mão de obra e do consumidor— são realizadas pelos setores industrial e de serviço com base nas informações trazidas pelo Censo Demográfico.

 

Fake news ameaçam o Censo 2022

A pandemia de covid-19 impactou a realização do Censo, que estava prevista para o ano de 2020. No ano seguinte, em 2021, a iniciativa também não foi implementada, desta vez, em virtude dos grandes cortes no orçamento do IBGE. A não realização do Censo gerou incertezas e preocupação para diversas organizações de ensino e pesquisa. Isso porque os dados de 2010 estavam extremamente desatualizados, afetando a qualidade dos resultados de variadas outras pesquisas amostrais e de projeção, mas, principalmente, na efetividade das políticas focalizadas. Após os desafios enfrentados para dar início ao Censo em 2022, as dificuldades continuam, agora na fase da execução.

 

O motivo são as fakes news, conforme discuti em minha última coluna que, infelizmente, se tornaram um mal que permeia diversos temas da nossa sociedade. Não é diferente com o Censo Demográfico de 2022, que tem sido um dos diversos alvos de grupos mal-intencionados, que acabam por colocar em risco não apenas a execução da pesquisa, como também a segurança dos recenseadores, que vêm sofrendo dificuldades e até ataques durante as visitas. As notícias falsas têm levado muitas pessoas a terem receio de receber os profissionais e responder às perguntas da pesquisa.

 

Uma das iniciativas criadas pelo IBGE para combater a desinformação é a página para checagem de informação, além de um mecanismo de checagem da identidade do recenseador —que você pode conferir aqui. Temos muito a celebrar pela realização do Censo Demográfico 2022. É fundamental conhecer detalhes sobre a sua aplicação e a relevância dos seus resultados para o desenvolvimento de pesquisas, políticas públicas e estratégias de negócios. Sobretudo, precisamos nos conscientizar sobre o dever cívico —e legal— de participar da pesquisa. Temos todos a chance de sermos agentes da mudança que desejamos ver no país.

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