Fazer detox digital também é importante para aprender a usar as tecnologias

De interrupções ineficientes a uso excessivo, a sociedade digital precisa aprender a se afastar das redes
Letícia Piccolotto Em 23 de May de 2022

Fazer detox digital também é importante para aprender a usar as tecnologias

 

*Texto publicado originalmente na coluna semanal de Letícia Piccolotto no UOL/Tilt.

 

Tente se lembrar qual foi a última vez em que você passou um dia inteiro longe do celular. Se a memória parece longínqua ou inexistente, você não está sozinho. Segundo o relatório da consultoria App Annie, em 2021, os brasileiros passaram, em média, 5,4 horas por dia no smartphone. Há dois anos o país lidera esse ranking, empatado apenas com a Indonésia. Podemos nos assustar ou até mesmo duvidar deste indicador, mas basta prestar atenção aos nossos hábitos diários para perceber que essa não é uma verdade tão distante assim. Todos os dias temos o mundo nas palmas de nossas mãos. Trabalho, educação, entretenimento. Conteúdo sendo criado e compartilhado a cada segundo, 24 horas por dia, todos os dias da semana. Notificações que nos geram curiosidade, recompensas emocionais e que são uma competição frente às tarefas obrigatórias de nosso dia a dia.

 

Não há a menor dúvida de que um dos maiores desafios de nossa vida moderna não é mais estar on, e sim como podemos estar off. A intensa conectividade digital, no entanto, pode gerar um enorme prejuízo de tempo e energia. Cada interrupção para acessar algum conteúdo online —por exemplo, uma rápida conferida no feed do Instagram— pode representar cerca de 23 minutos para retomar a concentração à tarefa original. O grande problema é que essas interrupções são mais frequentes do que podemos imaginar: segundo pesquisa realizada pela consultoria inglesa Tecmark, as pessoas pegam seus aparelhos celulares, em média, 221 vezes por dia. É fundamental refletir sobre nossos hábitos, fazendo uma autocrítica sobre a quantidade de tempo que dedicamos ao ambiente digital.

 

Mas tão importante quanto isso é perceber que nessa equação há também uma parcela de culpa que cabe aos provedores das redes sociais: absolutamente tudo o que é desenvolvido e ofertado por essas plataformas foi construído com o propósito último de fazer com que seus usuários passem a maior quantidade de tempo conectados. A competição é desleal e fundamentada em dados sobre o comportamento dos usuários, além de conteúdo científico, como psicologia comportamental. Todo esse arsenal orienta a construção de algoritmos altamente eficazes, como mostra o documentário Dilema das Redes (2020), lançado pela Netflix, em que especialistas em tecnologia do Vale do Silício soam o alarme sobre o perigoso impacto das redes sociais na democracia e na humanidade como um todo.

 

Sou uma profunda entusiasta do avanço da tecnologia e tenho plena convicção de que o universo digital nos trará as ferramentas necessárias para que possamos encontrar soluções para os mais diferentes desafios de nossa sociedade. No entanto, estou convencida de que a transformação digital também traz dilemas, demanda um olhar atento aos seus perigos e nos coloca o dever de criar princípios e normas que garantam o seu uso a partir de um imperativo ético. Por isso, afirmo que é preciso garantir uma desintoxicação digital, nos permitindo deixar o ambiente digital com mais frequência para, assim, termos uma conexão maior com o mundo analógico. E isso pode acontecer de maneira prática no nosso cotidiano.

 

Diversos aplicativos possuem a função de nos auxiliar a controlar o nosso tempo de uso no celular, como é o caso do Forest. O app foi pensado de modo a gamificar essas pausas. Ao dar início no aplicativo, você se torna responsável por uma árvore, que só crescerá se o app estiver aberto em primeiro plano no celular. Ou seja, quanto menos você usar outros aplicativos, mais rápido a sua planta crescerá. Um diferencial do Forest, é que por meio de uma organização não governamental, os desenvolvedores garantem que árvores virtuais serão transformadas em árvores reais —mais de 1.397.605 árvores já foram plantadas graças a essa iniciativa.

 

A sociedade civil também tem se mobilizado para incentivar e pressionar mudanças na forma como as redes sociais funcionam hoje. Visando levar mais consciência social sobre o excessivo uso das redes, em 2013, foi criado o movimento Time Well Spent, fundado pelo whistleblower Tristan Harris, então especialista em ética em design do Google. O movimento tinha como objetivo difundir princípios e práticas para um uso mais consciente do tempo online entre os usuários, bem como responsabilizar as big techs nesse esforço. O movimento foi a base para a fundação do Center for Humane Technology (CHT) em 2018. O CHT se dedica a reimaginar radicalmente a nossa infraestrutura digital. Sua missão é impulsionar uma mudança abrangente em direção a uma tecnologia mais humana que apoie nosso bem-estar, democracia e ambiente de informações de forma mais transparente. Você pode conferir aqui, uma formação online gratuita que explica como uma rede social funciona e como utilizá-la de maneira mais adequada.

 

——-

 

Os avanços tecnológicos nos permitiram a incrível façanha de estarmos conectados com culturas, conteúdos e cidadãos de todo o mundo em milésimos de segundo. É incrível o que conseguimos alcançar até agora mas, ironicamente, precisamos perseguir a direção contrária e, em alguma medida, iniciarmos um detox digital. A tarefa não será fácil, mas ela tampouco é impossível. A desconexão é um dos passos fundamentais para que sejamos usuários da tecnologia, e não o inverso. Ela nos permitirá o alcance de uma tecnologia mais humana, respeitosa e que possa seguir o propósito de potencializar nossa existência no mundo.

 

 

Confira o texto na íntegra no UOL/Tilt.

 

>> Confira mais textos publicados na coluna semanal de Letícia Piccolotto no UOL/Tilt. <<

Relacionados