Com a pandemia de Covid-19, muitas palavras passaram a integrar o nosso vocabulário. Seus significados, antes desconhecidos para a maioria de nós, se tornaram cada vez mais presentes em nosso cotidiano. Outros termos, no entanto, já eram conhecidos, mas elevaram o patamar de sua importância. Nesse grupo, não tenho dúvidas, a palavra mais importante dos últimos anos é ciência.
Por vezes questionada, muitas vezes celebrada, a ciência esteve presente em nossas vidas como nunca antes. Acompanhamos o desenvolvimento de imunizantes em tempo real, nos familiarizamos com a sua linguagem, seus processos e resultados. Estando mais próximos da ciência, passamos a entender melhor a complexidade da vida e dos acontecimentos que nos rodeiam.
Essa proximidade também nos fez entender um pouco melhor os desafios relacionados ao fazer científico. Falamos sobre a falta de recursos para a pesquisa, discutimos os diversos papéis que cada ator da sociedade — governo, setor privado, academia, terceiro setor, etc — deveria ocupar na ciência e também questionamos o tempo necessário para produzir conclusões com validade científica. Esse tempo, inclusive, nunca pareceu acompanhar o compasso de nossa urgência em alcançar resultados.
Equidade de gênero
Um desafio, no entanto, parece perpassar o momento presente. Ele vem de muito tempo e, infelizmente, deve ainda demorar muito mais para se resolver. Falo da equidade de gênero nas ciências e do quanto precisamos caminhar para que meninas e mulheres sejam beneficiárias das descobertas científicas e, mais do que isso, as promotoras dessas transformações.
A equidade de gênero é um tema sempre presente em minha vida, mas o motivo para escrever esse texto é especial. No dia 11 de fevereiro, foi comemorado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A data foi criada em 2015 pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) para celebrar e promover a participação feminina nas diversas áreas de conhecimento das ciências.
A igualdade de gênero é um tema prioritário para as Nações Unidas e, inclusive, figura como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — conhecidos como ODS ou Agenda 2030. E alguns números sobre a participação feminina nas áreas de STEM — acrônimo em inglês que significa ciência, tecnologia, engenharia e matemática — ajudam a entender o porquê da importância do tema. Por exemplo:
Desde que Marie Curie ganhou o Prêmio Nobel, em 1903, por suas descobertas sobre os efeitos da radiação, apenas 17 outras mulheres repetiram esse feito nas áreas de física, química ou medicina. Entre os homens laureados pelo Prêmio, o número foi de 572. Somente 33% dos pesquisadores são mulheres e, em áreas disruptivas, como inteligência artificial, representamos apenas 22% dos profissionais. No Brasil, 54% dos títulos de doutorado foram obtidos por mulheres, embora somente 25% dos diplomas se concentram nas áreas de matemática e ciência da computação.
O que explica esse cenário?
Diferenças tão gigantescas não acontecem da noite para o dia. E, definitivamente, não são fruto de uma inabilidade das mulheres para as ciências, como muitos discursos mal-intencionados podem querer sugerir. Para se ter uma ideia, um artigo publicado na Nature, uma das mais bem-conceituadas revistas científicas do mundo, mostrou que, entre 2008 e 2012, as pesquisadoras brasileiras foram responsáveis por quase 70% de todas as publicações científicas produzidas no país. Desde muito cedo, meninas apresentam desempenho igual ou superior aos meninos em disciplinas como matemática, física e química. Mas a distância entre os grupos vai se ampliando com o passar do tempo até que se torne um abismo quase intransponível na vida adulta.
Pesquisas têm buscado compreender os fatores que levam à sub-representação de mulheres nas ciências. Os resultados apresentados no relatório “Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)”, publicado pela UNESCO, reforça o que já discuti anteriormente: não há qualquer razão genética, cognitiva ou física que justifique a disparidade entre homens e mulheres que temos observado nas ciências. Causas muito mais profundas e, ainda assim, sutis, podem ajudar a entender como, desde muito cedo, o problema começa a se formar.
Estereótipos de gênero compartilhados por familiares, amigos e pela sociedade, como a ideia difundida de que as áreas de STEM não são “coisas para meninas”.
O contexto sociocultural e econômico das famílias.
A qualidade dos professores e, especialmente, a presença de mulheres no corpo docente. Recursos para o aprendizado, como currículos de STEM, materiais e oportunidades de praticar os conhecimentos aprendidos.
Há um importante componente governamental: políticas públicas, legislações e ações de comunicação podem influenciar fortemente — para o bem e para o mal — a participação de mulheres na ciência.
Existem soluções?
Primeiro, é imprescindível reconhecer a complexidade do problema e a necessidade de que os diversos atores estejam envolvidos em sua solução. Segundo, que sejam implementadas ações, desde muito cedo, para que as meninas e, no futuro, mulheres, tenham todas as condições de cultivar o interesse e aspirar uma carreira nas áreas de STEM. Por fim, é fundamental que tenhamos todos o compromisso individual e coletivo de promover a igualdade de gênero em todos os espaços em que estamos presentes. Com isso, conseguiremos reduzir injustiças e também implementar medidas concretas para que a sociedade reconheça a inestimável contribuição que as mulheres podem trazer para o desenvolvimento social e econômico.