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Inovação pode tornar setor público mais eficiente, explica Emilia Paiva

Formada em economia pela UFMG, com mestrado em planejamento urbano na Universidade da Pensilvânia e doutorado em geograf
Em 20 de February de 2017

Emilia PaivaFormada em economia pela UFMG, com mestrado em planejamento urbano na Universidade da Pensilvânia e doutorado em geografia na PUC de Minas Gerais, Emília Paiva começou sua carreira no mercado financeiro em uma multinacional da área de higiene e limpeza em São Paulo. Após voltar do mestrado decidiu ir para o setor público no governo de Minas Gerais onde trabalhou como empreendedora pública e diretora vice-presidente no Escritório de Prioridades Estratégicas, um órgão criado pelo governo de Minas Gerais para incubar e trabalhar com outras secretarias no desenvolvimento e implementação de políticas e projetos inovadores nas áreas da saúde, educação, desenvolvimento econômico e cidadania. desses projetos é o SEED (Startups and Entrepreneurship Ecosystem Development), um programa de aceleração de ideias que quer transformar Minas Gerais no maior polo de empreendedorismo tecnológico da América Latina.

Agora, Emília Paiva será uma das mentoras do Brazil Lab. Confira na entrevista abaixo o que ela tem a dizer sobre inovação na gestão pública, confira o vídeo e a entrevista:

 

Brazil Lab: Como foi essa experiência no Escritório de Prioridades Estratégicas?
Emília Paiva:
Foi uma experiência transformadora na minha vida. Foi onde tive a oportunidade de conviver com a implementação de projetos inovadores e entender essas dificuldades. Principalmente entender essa interlocução com os atores das secretarias que iam executar essas políticas e como podíamos fazer pra desatar os nós que encontrávamos ao longo do caminho pra que essas políticas fossem bem sucedidas.

Qual foi o real impacto do SEED e como medir isso?
Emília Paiva: O SEED teve de imediato um impacto muito grande na atração de jovens, empresas, startups ou pessoas que nem tinham suas próprias empresas, mas que tinham ideias. Gente do Brasil inteiro e de várias partes do mundo vieram para Minas Gerais. Tivemos até uma articulação com o Conselho Nacional de Imigração pra promover visto para essas empresas e empreendedores que vinham de fora para ficar aqui em Minas. Vários deles abriram seus negócios aqui.

Outro impacto visível foi na capacidade que essa empresas desenvolveram de atração de investimentos, de aumentar seu corpo de colaboradores e de estarem até hoje gerando resultados e sobrevivendo no mercado. Isso foi medido de diversas formas: através de indicadores como o número de inscrições, o crescimento de faturamento dessas empresas, a capacidade de atrair novos investidores, foram várias formas de medir o impacto do SEED.

Qual o papel dos novos modelos de negócio na inovação do setor público?
Emília Paiva: Há duas coisas principais que essas startups trazem e que podem contribuir com o setor público: a primeira delas é a orientação pra resultado. Por incrível que pareça, no setor público, embora os problemas sejam grandes é a burocracia que acaba direcionando os projetos e as atitudes das pessoas. As startups tem um senso de proposito, uma verdadeira paixão por mudar o mundo que é fundamental. Essa injeção de energia, essa vontade de fazer diferente e de buscar de fato a mudança, acho que isso é uma grande força de transformação pro setor público.

A segunda coisa que destaco sobre esses novos modelos de negócio é a flexibilidade. Até pela questão da juventude, da tecnologia, existe uma grande mentalidade de buscar a forma que vai dar certo, buscar de fato o que é preciso fazer pra que você consiga obter aquele resultado e não se apegar numa formula pré definida de processo. É estar sempre de olho no resultado que você busca. Essa capacidade de flexibilidade, de mudar o rumo pra não perder o objetivo é uma boa forma desses novos modelos de negócio contribuírem para a inovação do setor público.

Qual o perfil que o empreendedor deve ter para impactar o setor público?
Emília Paiva:Tem que ter essa vontade de transformar, essa fé de que é possível fazer diferente, isso é muito importante. Muita resiliência também. É preciso compreender que trabalhar no setor público é difícil, são muitas limitações, inclusive legais, institucionais, burocráticas, limitações em relação ao tamanho, ao processo, mas nada disso é impossível. É preciso compreender o sistema pra que se possa atuar nele, então essa curiosidade, essa vontade de fazer onde é difícil fazer, é muito importante.

Além disso é preciso ter um extremo senso de ética, mas isso não significa não buscar formas alternativas e corretas de fazer a coisa. O empreendedor tem que ter essa criatividade com responsabilidade, tentar fazer de uma forma que nunca foi feita obedecendo às leis e os processos.

Existe espaço para inovação no setor público?
Emília Paiva: Com certeza existe! Onde existe problema existe oportunidade pra inovação e o que não falta pro setor público é problema pra resolver. Isso sempre vai existir, quando a gente resolve um problema surge outro, e tem sempre oportunidade de inovar pra fazer melhor o que já está sendo feito.

Como enfrentar a burocracia existente no setor público?
Emília Paiva: A primeira coisa a ser feita, algo importantíssimo e que pouco se fala, é entender a burocracia. O grande problema de quem está fora do governo é não conhecer. A burocracia tem duas partes: uma parte é legal, institucional, e é mais difícil de ser mudada, pois exige mudança na legislação. Mas tem uma parte de processos, de práticas, que é onde existe oportunidade de fazer diferente. Isso não é feito porque as pessoas se acomodam e dizem “Nunca foi feito assim, a vida inteira a gente fez desse jeito”, e nessa parte há muita oportunidade pra inovação, pra melhoria.

Os atuais escândalos envolvendo governos e grandes empresas não pode criar um clima negativo para esse cenário?
Emília Paiva: É claro! Existe um pessimismo com relação ao setor público, mas enxergo isso como uma grande oportunidade para o que é bem feito. Mais do que nunca é importante que a gente divulgue boas práticas e pessoas que estão fazendo coisas bacanas no setor público. A pior coisa que pode acontecer é as pessoas desacreditarem completamente nas instituições e na prática do serviço público. O que está errado não é a instituição e sim a forma como as pessoas conduzem as coisas lá dentro. São nesses momentos de escândalo e pessimismo, que devemos mostrar para a população coisas boas, sérias, éticas, inovadoras e transformadoras que estão acontecendo no setor público.

Qual o impacto que a inovação pode ter no setor público?
Emília Paiva: O setor público, obviamente, existe pra prestar um serviço pro cidadão e o grande problema é quando esse serviço é mal prestado, quando ele não chega pra todas as pessoas, quando ele é ineficiente. A inovação pode ajudar a cumprir essa função com excelência e de fato prestar um serviço de qualidade à altura do que a sociedade espera.

Inovação é obrigatoriamente tecnológica?
Emília Paiva: Não. Existem muitos exemplos de inovação não tecnológica no setor público. O próprio Sistema Único de Saúde é um exemplo de inovação em gestão, é um sistema altamente complexo que se organiza de forma a encaminhar a pessoa para ela ser atendida de acordo com a complexidade do que está sofrendo. Mesmo com toda a dificuldade que tem, o sistema de saúde do Brasil, o SUS, é reconhecidamente um grande avanço, uma grande inovação na gestão de um sistema do tamanho e da complexidade do nosso sistema de saúde.

Na área da educação temos as avaliações de resultados, o ENEM, a Prova Brasil e todas essas outras formas de avaliar a proficiência dos alunos. É uma grande inovação do sistema de educação no Brasil e que não é apenas tecnológica, é muito mais uma inovação de processo e metodologia. Os resultados das provas retroalimentam a melhoria do que está acontecendo dentro de sala de aula.

Na segurança pública a gente tem o uso da tecnologia pra mapeamento das zonas de crime, mas mais do que o mapeamento em si é importante toda a parte metodológica e logística de como você distribui a sua atuação policial a partir da identificação que foi feita das zonas quentes de crime na cidade.

Como você vê o Brazil Lab?
Emília Paiva: Estou muito empolgada de participar do Brazil Lab! Esse projeto vai ser um modelo de como podemos promover a interação entre as ideias bacanas que estão fora do setor público e a capacidade de atuação em massa do poder público. Vai ser um grande aprendizado mútuo de como podemos fazer a inovação no setor público unindo ideias e capacidade de execução pra fazer a transformação das nossas políticas públicas trazendo melhores resultados pra população. Estou bastante empolgada de fazer parte desse processo e, como tudo o que a gente falou aqui, acho que isso pode ser um exemplo pro Brasil de como é possível transformar o sistema dando as mãos, todas as partes com suas devidas responsabilidades e suas devidas paixões com um objetivo comum que é oferecer uma sociedade melhor para nossos pares e deixar um mundo melhor para os nossos filhos.

 

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