*Texto publicado originalmente na coluna semanal de Letícia Piccolotto no UOL/Tilt.
Conhecida como "COP da Implementação", dada a expectativa de que grande parte das ações concretas para frear o avanço da crise climática fosse aprovada, a COP27 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), que aconteceu em Sharm El-Sheikh, no Egito, frustrou muitas expectativas.
A começar pela meta de 1,5°C no aumento da temperatura terrestre, limite apontado por especialistas como máximo para que os impactos da mudança climática não sejam irreversíveis. O chamado Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh acabou por utilizar uma linguagem menos enfática na defesa dessa meta do que a declaração final do G20, divulgada no início de novembro. De forma semelhante, o documento aprovado traz medidas tímidas em relação ao uso de combustíveis fósseis, principais fontes de emissão de gases do efeito estufa. Há menções para uma redução gradativa do uso de carvão como fonte energética; petróleo e gás natural não são sequer mencionados. Contudo, ainda há motivos para celebrar. De forma inédita, a COP27 do Egito resultou na criação de um novo fundo histórico para perdas e danos.
O mecanismo de financiamento tem como objetivo ajudar os países mais vulneráveis a desenvolverem ações de enfrentamento aos desastres naturais causados por eventos extremos atrelados às mudanças climáticas. A criação do fundo foi considerada revolucionária por concretizar um conceito há muito discutido, mas pouco implementado: a justiça climática. A ideia é equilibrar a balança da mudança do clima. Em outras palavras, países que mais emitem gases do efeito estufa devem ajudar financeiramente os países que menos emitem, mas que mais sofrem os impactos de eventos extremos. O mais recente e emblemático caso foi o do Paquistão. Em agosto, tempestades deixaram um terço do país inundado e afetaram 33 milhões de pessoas, sendo mais de 1.200 mortos. O custo estimado para recuperar a estrutura é de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 50 bilhões).
Embora sua aprovação deva ser celebrada, o fundo de perdas e danos deverá ser operacionalizado, ou seja, é preciso definir quem paga o quê, quanto e como. Sem a atribuição de responsabilidades claras —e, arrisco dizer, sanções ao não cumprimento— corre-se o risco de repetir desafios antigos. O tema da justiça climática não é novo. Segundo o Acordo de Paris, adotado em 2015, os países desenvolvidos se comprometeram a destinar US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, aos mais vulneráveis para ajudá-los a lidar com os efeitos da mudança climática. No entanto, nada disso saiu do papel —ainda.
Jovens brasileiros estão vulneráveis
Um tema muito enfatizado nesta COP27 foi a necessidade de cuidar e proteger a vida dos mais vulneráveis. E não há dúvidas: quando se fala sobre mudança climática, as crianças e adolescentes são o grupo que mais sofrerão os pesados efeitos deste desafio coletivo, como bem aponta o relatório "Crianças, Adolescentes e Mudanças Climáticas no Brasil 2022". Segundo o documento, 40 milhões de meninas e meninos brasileiros já estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental e mais de 2 milhões de pessoas foram mortas, desapareceram, ficaram feridas, enfermas, desabrigadas ou desalojadas diretamente por desastres ambientais em 2021 no Brasil.
A Unicef chama a atenção para a urgência de priorizar crianças e adolescentes nos debates e políticas voltadas ao enfrentamento das mudanças climáticas. Esse grupo é diretamente impactado por eventos extremos —desde a frequência de chuvas até a amplitude térmica e as ondas de calor—, a quantidade e intensidade de eventos extremos, como ciclones e queimadas, até o prolongamento de secas extremas. Todos esses fenômenos afetam a vida humana de múltiplas formas, colocando em risco o bem-estar, o desenvolvimento e a própria sobrevivência de pessoas em todo o planeta. E quando se considera grupos sociais já privados de outros direitos —pessoas negras, indígenas, quilombolas, e pertencentes a outros povos e comunidades tradicionais; migrantes e/ou refugiados; crianças e adolescentes com deficiência; além de meninas— há um agravamento ainda maior das condições e riscos.
Segundo o relatório, esse risco não tem sido considerado, e a maioria das políticas públicas e dos planos nacionais sobre clima e meio ambiente mencionam pouco ou ignoraram completamente as vulnerabilidades específicas de crianças e adolescentes, em geral, e desses grupos mais vulneráveis, em particular. Para dar visibilidade e reconhecimento à importância da participação de crianças e adolescentes nos debates e na construção de soluções para a crise do clima, a Unicef e a organização da sociedade civil Viração Educomunicação levaram três jovens ativistas ambientais de diferentes regiões do Brasil para COP27.
Urgência e gravidade são dois adjetivos que descrevem com precisão o desafio das mudanças climáticas. Ainda há muito a ser feito, mas uma mensagem é clara: precisamos adotar a equidade como um critério balizador das ações; priorizar os vulneráveis —especialmente, crianças e adolescentes— é o primeiro passo para, juntos, construirmos um novo modelo de desenvolvimento socioeconômico que não deixa ninguém, especialmente quem mais precisa, para trás.
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