*Texto publicado originalmente na coluna semanal de Letícia Piccolotto no UOL/Tilt.
Guerras, eventos climáticos extremos, desabastecimento, crise energética, pandemias, fake news, inflação em alta? Se você tem a sensação de estar presenciando de forma ininterrupta diversas crises, saiba que não está sozinho. Em novembro, o dicionário britânico Collins selecionou "permacrise" como a expressão do ano de 2022 no Reino Unido. A expressão se refere a "um período extenso de instabilidade e insegurança" e retrata exatamente o sentimento de estar desnorteado, lançado de um problema para outro, sem ter tempo para respirar, além de manter constantemente o pensamento de que o pior ainda está por vir.
O conceito de permacrise não é novo. A palavra foi usada pela primeira vez em 1970 no ambiente acadêmico e voltou a ser empregada reiteradamente nos últimos meses. Para o diretor-geral da Collins Learning, Alex Beecroft: “Permacrise resume, de maneira sucinta, o quão realmente horrível 2022 foi para muita gente"
No Brasil, a sensação é de que compartilhamos desse sentimento há muito tempo. De desastres ambientais a escândalos políticos, assistir a diversos eventos negativos ocorrendo de forma concomitante já fazia parte do nosso cotidiano mas, nos últimos anos, lamentavelmente, esses acontecimentos têm se mostrado mais extremos e recorrentes. Somente nessas primeiras semanas de 2023, os noticiários pareciam uma exposição constante e ambígua de eventos.
As cenas de euforia das festas de fim de ano e do Carnaval representavam um claro contraste frente a eventos graves e profundamente trágicos, como:
Crises, desastres e tragédias que parecem ser uma constante nos tempos atuais produzem mudanças comportamentais muito concretas na população, como a diminuição crescente do interesse em se manter informada. Esse é o fenômeno que nos mostra o relatório anual sobre o consumo de notícias, do Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford. A pesquisa, feita com mais de 93 mil leitores em 46 países, aponta que, em média, 38% dos entrevistados disseram que frequentemente ou às vezes evitam buscar informações sobre certos assuntos —sobretudo quando se trata de temas como política ou pandemia. O Brasil lidera o ranking da pesquisa: em nosso país, 54% dos entrevistados afirmam "evitar" o noticiário de propósito.
Os impactos da permacrise também estão presentes na saúde mental. Para a psicóloga e especialista Katia da Silva Wanderley, além do cenário externo, os problemas internos e pessoais também são um importante fator nessa equação. Segundo a psicóloga: “Quanto maior o tempo de permacrise, mais o equilíbrio psíquico se desgasta possibilitando o agravamento de doenças mentais que já existem, bem como o aparecimento de doenças que ainda não se faziam presentes na vida da pessoa, como depressão, síndrome do pânico, crises de ansiedade e outras".
Como o problema é complexo, não existe resposta simples de como sair ou lidar com a permacrise. Cada indivíduo precisa encontrar caminhos para o equilíbrio emocional, combinando intervenções focadas no corpo, na mente e na coletividade. Redes de apoio, conversas com amigos e familiares são fundamentais para garantir o acolhimento de sentimentos tão complexos e compartilhados, afinal, ninguém está só. Acima de tudo, é fundamental manter uma visão otimista e pragmática sobre a realidade, tendo como base fatos e a perspectiva de que, a despeito de todos os desafios, a sociedade está em evolução.
No livro "21 Lições para o Século 21", o professor Yuval Noah Harari explica que a inteligência artificial (IA), a biotecnologia e a tecnologia da informação provocam, cada vez mais, mudanças rápidas e constantes na humanidade, o que contribui para a existência de momentos de crise. Para o pesquisador, o equilíbrio emocional e o autoconhecimento são fundamentais para a adaptação a um mundo em excessiva mudança, como a realidade que vivemos hoje. Que possamos, todos, alcançar esse complexo e necessário equilíbrio.
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