Sua filha vai viver no mundo onde ser mulher ainda será um fator limitante?

Desigualdade de gênero no Brasil é enorme e se manifesta em diferentes setores.
Letícia Piccolotto Em 13 de March de 2022
*Texto publicado originalmente na coluna semanal de Letícia Piccolotto no UOL/Tilt.

O Dia Internacional da Mulher, criado pela ONU em 1975, é um marco histórico na luta feminina por melhores condições de trabalho e remuneração. Esse marco divide opiniões, especialmente nas redes sociais, em que grupos discutem se há, de fato, motivos para que o dia seja celebrado como uma data simbólica —e feliz— para as mulheres.

Já compartilhei por aqui o que o 8 de março representa em minha vida. Trata-se de um dia fundamental para refletir sobre os avanços e, sobretudo, os desafios que ainda se fazem presentes para alcançar a tão sonhada equidade de gênero.

E diante de eventos recentes, tão asquerosos e violentos perante as mulheres, a data reafirma a sua relevância. Mais do que nunca, é preciso discutir sobre o tema e implementar soluções que garantam uma participação ampliada das mulheres nas mais diferentes instâncias da sociedade.

A desigualdade de gênero no Brasil é enorme e se manifesta em diferentes setores.

No mercado de trabalho, apenas 45,8% das mulheres brasileiras trabalham fora do lar. Dentro das empresas, das 250 maiores organizações brasileiras, as mulheres representam apenas 2% dos presidentes.

Já na política, a participação feminina é de apenas 15% na Câmara de Deputados e 14% no Senado.

O Brasil ocupa a 140ª posição do ranking da União Interparlamentar que avalia a participação política de mulheres em 192 países. Nosso país está atrás de todas as nações da América Latina, com exceção do Paraguai e do Haiti.

Considerando o Poder Executivo, temos, em 2022, somente uma governadora estadual, e a situação se repete no Poder Judiciário.

Um estudo publicado essa semana por pesquisadores do People in Gov Lab da Universidade de Oxford, organização apoiada pela Fundação Brava, apontou que o Brasil tem uma taxa de apenas 11,1% de nomeação de mulheres no Supremo —apenas três mulheres no total, entre 2000 a 2021— diante de 26% de taxa global.

A desigualdade também atinge as mulheres na perspectiva econômica, impactando sua remuneração e ampliando o abismo da pobreza existente.

As mulheres brasileiras ganham cerca de 20,5% a menos que os homens; 88% de todas as famílias cadastradas nos programas de bem-estar social do Brasil têm mulheres como chefes de família, e destas, 68% são afrodescendentes.

Como um fenômeno complexo e estrutural, a desigualdade de gênero também está presente no universo do empreendedorismo.

Um levantamento feito a partir de esforço conjunto entre Distrito, B2mamy e Endeavor mostra que, no Brasil, apenas 0,04% do volume investido em startups em 2020 foi para aquelas lideradas por mulheres.

O primeiro passo em direção à mudança é admitir que a desigualdade no acesso ao capital é um problema. Quando não reconhecemos e nem financiamos o potencial das mulheres que podem se tornar líderes das novas grandes empresas, extinguimos o valor que essas empreendedoras poderiam gerar na sociedade.

E esse valor é muito significativo. Um estudo do McKinsey Global Institute aponta que o avanço da igualdade de gênero poderia adicionar US$ 12 trilhões à economia global até 2025 — ou cerca de 14% do PIB global de 2019.

Isso sem mencionar as recentes discussões e análises relativas ao impacto da economia do cuidado: as incontáveis mulheres que exercem trabalhos imprescindíveis para toda a sociedade —desde a criação das crianças até a manutenção das tarefas domésticas— e sequer são remuneradas por toda a sua contribuição.

Os estudos para medir o impacto de toda essa rede ainda não conseguiram mensurar a totalidade desta contribuição, mas basta uma pergunta sincera para imaginar seus resultados: quantas mulheres foram fundamentais para que você pudesse se desenvolver como indivíduo ao longo de sua vida? Quantas delas foram remuneradas e reconhecidas por isso?

É fundamental que todos tenhamos o compromisso individual e coletivo de promover a equidade de gênero em todos os espaços em que estamos presentes.

Para além de um direito básico, humano e fundamental, estamos falando de algo que pode trazer impactos econômicos e permitir o avanço de uma sociedade mais desenvolvida em todas as suas dimensões.

No 8 de março, celebro os avanços que alcançamos historicamente. Agradeço às que vieram antes de mim e construíram o caminho que hoje trilho com mais liberdade e autonomia. E também expresso o meu desejo para o futuro próximo, aquele que será vivido por minhas duas filhas, hoje crianças.

Que ser mulher não seja um fator limitante, mas sim, que sejamos livres para moldar nossa identidade, crenças, comportamentos e escolhas de vida; que possamos viver sem medo e com respeito à nossa humanidade; e, principalmente, que a sociedade possa reconhecer a inestimável contribuição trazida pelas mulheres e nos garanta os retornos que nos são de direito.

 

Confira o texto na íntegra no UOL/Tilt.

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