Cinco anos atrás, algo acontecia no ecossistema empreendedor: o segmento chamado de Govtech estava mudando. Com o surgimento de novas tecnologias e o súbito interesse de investidores, startups começaram a trabalhar mais com e para governos. Em um ambiente que sempre fora dominado pela burocracia e pela complexidade nos processos de compras públicas e de implementação, crescia o interesse por algo novo.
Na época, o portal GovTech lançou uma lista de 100 empresas que representavam esse ecossistema. A publicação se repetiu pelos anos seguintes, tornando-se uma referência para todo o segmento. Agora, na sua quinta edição, a lista da GovTech atingiu um novo nível de maturidade, porque é crescente o interesse de investidores em startups de inovação no setor público. “Acho que a área de GovTech ainda assusta muita gente, mas quando falo com investidores de outros fundos, hoje, não recebo mais aquele olhar do tipo ‘você está maluco?’ tanto quanto recebia antes”, afirmou Frederik Groce, da Storm Ventures, que tem investido em startups do setor. “Então temos observado um ‘conforto’ maior do mercado financeiro em relação às GovTechs.”
De acordo com Groce, atualmente os investidores estão mais “curiosos”. Algumas das maiores empresas de venture capital do mundo, como a Sequoia Capital, a Insight Partners e a SJF Ventures, têm feito investimentos no setor. No entanto, ainda não há muitos investidores que sejam especialistas no assunto. Eles existem, é verdade, mas tendem a se agrupar em empresas fortemente orientadas para o setor, como Govtech Fund, Urban Us, Urban Innovation Fund e Ekistic Ventures.
Essa expertise é muito valiosa pra empresas de GovTech. Afinal, investidores influenciam o que companhias fazem, e governos constituem um tipo muito singular de clientes.
“Os processos de compras de governos realmente parecem diferentes”, afirmou Groce ao portal GovTech. “Também aumentou a empatia com gestores públicos — o interesse pelo que eles precisam e como a tecnologia pode ajudá-los.” Esse “conforto maior” em relação ao que significa ser uma empresa de GovTech, e com o que representa para o governo trabalhar com startups, não está limitado ao investimento de dólares. De acordo com o portal GovTech, são quatro as tendências que ajudam a entender o que tem acontecido com o setor de inovação na área pública ao longo desses cinco anos.
Poucas tendências recentes tiveram um impacto mais profundo na tecnologia do que o crescimento da nuvem. Isso fundamentalmente muda a forma como as pessoas usam a tecnologia — em uma palavra, da centralização para o compartilhamento.
E os governos, apesar da reputação de avessos a mudanças, não são exceção. Nos anos recentes, o setor público tem se mostrado mais à vontade com a nuvem e com soluções SaaS (Software as a Service) para se tornar mais ágil, mais flexível e mais efetivo.
Tiffany Chu, CEO e co-founder da SaaS de transporte urbano Remix, tem observado essa mudança na visão de agentes de governo ao longo dos últimos quatro anos. “Eu me lembro de que, no começo, eu tinha que explicar por cinco, dez minutos o que é um SaaS e como é diferente de outros modelos”, disse ela no texto da GovTech. “Era algo que eu precisava fazer porque não se tratava de conhecimento geral.”
Agora, os governos certamente estão mais familiarizados com a nuvem, mas outros fatores também contribuíram para atribuir mais credibilidade à tecnologia. Como certificações de segurança, mudanças em processos de licitação e programas do governo federal norte-americano que asseguram que tecnologias de nuvem atendam os padrões de segurança antes que agências as usem.
Ao mesmo tempo um fator e um produto do crescimento de mercado, inovações tecnológicas abriram novas possibilidades para que startups atendessem todas as esferas de governo. Avanços em coleta de dados, processamento, analytics, dispositivos de cidades inteligentes, tecnologia para consumidores e em outros campos criaram nichos de mercados e ferramentas que não existiam antes e, em alguns casos, não eram sequer concebíveis.
Com a explosão contínua de smartphones e aplicativos de consumo, surgiu a demanda de regulamentação governamental, gestão de dados e software. Em resposta à popularização do Airbnb e do VRBO, companhias como Accela e Host Compliance lançassem novos produtos para ajudar governos a transitar pelas questões regulatórias que surgiram nesse novo contexto.
A revolução nas opções de mobilidade urbana causada por Uber, Lyft, Lime, Jump e Waze, entre outros, gerou volumes massivos de novos dados sobre o deslocamento das pessoas pelas cidades. Isso abriu espaço para a colaboração entre empresas de mobilidade e governos, que constataram que poderiam utilizar os dados para o planejamento urbano. Este novo espaço inspirou várias startups, como Ride Report e Remix, a tornar os dados úteis.
À medida que avanços tecnológicos criaram novos mercados e substituíram processos manuais por softwares, o interesse por startups de GovTech cresceu imensamente. Governantes se viram lidando com ecossistemas de novas aplicações que se relacionavam entre elas e que se desenvolviam a partir de uma infraestrutura já existente. Em muitos casos, empresas de GovTech anunciaram parcerias, colaboraram para a integração de produtos e em estratégias de go-to market.
Um exemplo vem da CivicPlus, fornecedora de softwares integrados que combinou sua plataforma de gestão de websites e de documentos de reuniões públicas com um software de engajamento de cidadãos criado pela startup canadense Civil Space.
Outro exemplo vem da gigante do serviço de nuvem OpenGov, que se juntou à fornecedora de softwares de ERP Superion para acessar novos consumidores. Em troca, a OpenGov oferece visualização de dados e outras ferramentas. Já a empresa de gerenciamento de tráfego Waycare e o Waze estão compartilhando dados para aprimorar seus respectivos produtos
Além de a proliferação de novas tecnologias e mercados criar espaço para startups, ela transformou em concorrentes grandes empresas que antes estavam em campos separados. Novas ideias, inovações e competição fizeram com que empresas acrescentassem ferramentas a seus portfólios e expandissem suas operações para acomodar diferentes tipos de clientes.
Fornecedores de softwares de ERP para grandes corporações começaram a vender para clientes médios, para distritos especiais e para governos locais. Para aqueles que tivessem os recursos, a aquisição se tornou uma estratégia regular, uma vez que alguns desenvolvedores acharam mais fácil selecionar as melhores soluções de startups em vez de construir uma solução do zero.
A Oracle, por exemplo, anunciou diversos investimentos de grande porte nos últimos anos, incluindo a construção de 12 data centers em nuvem ao redor do mundo para competir com servidores como Amazon, Google e Microsoft. A Oracle também lançou uma nova solução em nuvem, a Oracle Public Sector Community Development (Desenvolvimento da Comunidade do Setor Público), que continua a adicionar novas funções, mas que começou com a liberação de softwares, tornando-se concorrente de empresas como Tyler Technologies e Accela.