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Yuval Noah Harari: “Governos precisam atuar para proteger as pessoas dos impactos negativos da revolução tecnológica”

Em palestra em Brasília, escritor israelense falou sobre o papel do setor público em um cenário de profundas transformações.
Em 10 de December de 2019

Realizada em Brasília pela Escola de Administração Pública (Enap), a 5ª Semana de Inovação terminou em grande estilo. A palestra de encerramento ficou a cargo do historiador e filósofo israelense Yuval Noah Harari, que falou para um auditório lotado sobre os desafios apresentados pela tecnologia no século 21. Autor de Sapiens, Homo Deus e 21 lições para o século 21, Harari também é professor da Universidade Hebraica de Jerusalém (Israel) e se tornou uma celebridade do pensamento contemporâneo ao abordar o impacto da inteligência artificial no futuro da sociedade.

De acordo com ele, esse impacto já acontece. Harari explicou que as decisões governamentais tomadas a partir de agora para problemas como a ameaça nuclear, o controle da informação, as mudanças climáticas e a automação vão determinar como a humanidade irá viver nas próximas décadas. 

Em sua fala no ENAP, o historiador retomou uma hipótese desenvolvida nos seus dois livros mais recentes: a ideia de que a tecnologia vai criar uma massa de pessoas sem utilidade. O termo é forte, mas necessário. “A tecnologia está mudando todas as profissões e criando outras. Por isso, as capacidades de se reinventar e aprender rapidamente vão definir quem será ou não relevante no mundo”, afirmou. 

“Não se trata de uma revolução de inteligência artificial a partir de 2020 - e de termos alguns anos para nos adaptar; ela já está acontecendo agora. E os novos trabalhos que estão surgindo neste momento vão mudar constantemente. As pessoas vão precisar se reinventar a todo instante”, explicou ele, para lembrar que o estresse psicológico dessa dinâmica pode não ser suportável para muitos. 

 

O papel dos governos

É um cenário que traz riscos e, de acordo com Harari, os governos devem atuar para oferecer alguma segurança para as populações. “O papel do governo na nossa transformação digital é a proteção do ser humano contra choques econômicos trazidos por essas mudanças. Contra o perigo político e as ameaças existenciais”, afirmou ele, que detalhou tais perigos: “o primeiro diz respeito ao futuro do trabalho. A IA e a automação devem reconfigurar profundamente os mercados, com potencial para fazer desaparecer boa parte dos empregos atuais e criar novos ofícios. Contudo, não está claro se haverá uma substituição em número suficiente para evitar uma crise de desemprego”. 

“Não estamos próximos do potencial total da IA, mas apenas no começo. Observaremos uma ‘cascata’ de inovações. Vamos ter ondas de automação em 2035, 2045. Pessoas vão ter que se reinventar repetidamente em suas vidas, e os governos vão ter que participar e ajudar as pessoas a gerir suas vidas nos períodos de transição, por meio do pagamento do retreinamento”, prevê o historiador.

Harari entende que os processos políticos representam outro perigo. Para ele, a combinação de bioengenharia, poder computacional e coleta e tratamento de dados vai permitir o “hackeamento de seres humanos”. Obtendo informações biométricas e comportamentais das pessoas, governos e corporações conseguiriam saber mais sobre os indivíduos do que eles mesmos, o que poderia ser empregado para manipulação de sentimentos e atitudes e tomada de decisões.

 

O risco da ditadura digital

O historiador ponderou que governos precisarão fugir da tentação de criar máquinas de vigilância, pois o uso delas “pode gerar os regimes mais totalitários já vistos”. Além disso, é preciso proteger seus cidadãos das corporações que operam coletando dados e influenciando condutas dos indivíduos. Para isso, propõe Harari, é necessário regular a propriedade dos dados.

“Agora, a política envolve, cada vez mais, controlar os fluxos de dados. Se muitos dados são controlados por uma pequena elite, veremos uma ditadura digital. É papel dos governos regular a propriedade dos dados. Não podemos deixar para as corporações. Elas não representam ninguém, e nenhum cidadão votou nelas”, argumentou. “Mas tal regulação deve ser organizada como um acordo global sobre vigilância e propriedade de dados”, concluiu.

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