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Inovação: o caminho para Detroit dar a volta por cima

Quebrada em 2013, a cidade sediou um importante evento de GovTech em 2018. Em entrevista à Bloomberg Cities, jornalista local conta detalhes dessa recuperação
Em 20 de December de 2018

Nas últimas décadas, a vida de quem mora em Detroit, no estado norte-americano de Michigan, não foi nada fácil. Durante muito tempo conhecida como um pólo industrial e automobilístico, a cidade passou por uma crise severa, com desemprego em alta, falta de investimentos, despovoamento e, em consequência, a falência municipal, que foi decretada em 2013.

No entanto, assim como a cidade de Atenas vem ressurgindo das cinzas, Detroit está dando a volta por cima. E em ambos os casos, a inovação no setor público tem sido um catalisador dessa mudança. Recentemente, cidade grega foi eleita a capital europeia da inovação; e Detroit caminha a passos largos para se tornar uma referência em GovTech.

Em outubro passado, o município sediou o CityLab, um dos mais importantes eventos globais de inovação urbana. Para entender melhor essa reviravolta, a Bloomberg Cities entrevistou o jornalista John Gallagher, que há mais de 30 anos cobre a vida urbana em Detroit.

 

Veja, agora, o que ele tem a dizer -- e a cidade, a ensinar:

Bloomberg Cities: Em uma coluna recente, o senhor afirmou que “não consigo pensar em um lugar melhor para sediar o CityLab do que Detroit”. Por quê?

John Gallagher: É difícil apontar o começo da recuperação de Detroit, mas eu diria que aconteceu próximo ao meio da década de 2000. Foi quando observamos que a cidade começou a adotar algumas iniciativas inovadoras.

A mais notável, claro, foi o município ter registrado a falência, algo que nenhuma outra grande cidade havia feito. Isso eliminou os 8 bilhões de dólares de dívidas que estavam nos registros da Prefeitura e liberou recursos para que a cidade fizesse coisas importantes, mas que, até ali, não poderia custear.

 

Bloomberg Cities: O senhor pode mencionar algumas das iniciativas mais inovadoras criadas por Detroit?

Uma importante inovação foi a Motor City Match. Trata-se de um programa em que a cidade pega parte de seus recursos federais e atua como “casamenteira” (o termo “match” vem de “combinar”) entre empreendedores que precisam de um lugar para suas empresas e proprietários que tenham imóveis vagos.

A Prefeitura aproxima ambos e fornece recursos a eles: para que os proprietários reformem o imóvel, e para que os empreendedores comprem equipamentos, ou o que quer que precisem. Com isso, a gestão municipal conseguiu dar origem a 65 ou 70 novas empresas na cidade, e há um número similar delas na etapa de planejamento.

Além desse programa, há o Project Green Light, que é uma iniciativa de combate ao crime em que foram distribuídas várias câmeras em postos de gasolina e outros comércios que registravam altos índices de furto de carros e roubos. E aparentemente o projeto tem trazido ótimos resultados de redução de criminalidade.

Outro projeto inovador vem de antes da falência, de quando a cidade estava tão quebrada que não era possível fazer absolutamente nada. Começaram a ser criadas corporações sem fins lucrativos para assumir o controle dos “destroços” da operação municipal.

Por exemplo: o Eastern Market, o mercado municipal de produtos agrícolas, estava perdendo dinheiro, todas as barracas estavam vazias. Então, os comerciantes criaram a Eastern Market Corporation, que tem uma gestão profissional, e conseguiram alguns recursos, o que mudou totalmente a situação por lá. Agora, o Eastern Market é um dos melhores mercados públicos dos EUA. Em qualquer sábado, você encontra 40 ou 50 mil pessoas comprando lá.

 

Bloomberg Cities: Qual é a principal lição dessas parcerias?

Quando uma cidade é incapaz de entregar um serviço, surgem outras formas criativas de se fazer isso. De certa maneira, não importa quem gerencie o parque municipal, desde que essa gestão seja feita, e feita com qualidade. Há muitas formas inovadoras de fazermos o que queremos fazer. Precisamos de uma parceria com a gestão municipal, com as fundações, as empresas e as associações de moradores. Todos precisam participar.

Outra lição tirada da situação pela qual Detroit vem passando é que há muito dinheiro nesta comunidade — apesar de pensarmos que se trata de uma cidade pobre, ainda existe muita riqueza herdada nas fundações. As montadoras de automóveis têm se saído bem nos últimos anos, e Dan Gilbert, da empresa Quicken Loans, tem feito um tremendo trabalho.

[Nota: Dan Gilbert é o fundador da hipotecária Quicken Loans. De acordo com John Gallagher, em 2010, ele chegou a Detroit com 1.500 pessoas, e agora tem quase vinte mil funcionários. A atuação de Gilbert na cidade vai além do empreendedorismo: ele está financiando a criação de parques no centro, além de outras iniciativas.

 

Bloomberg Cities: As falhas de Detroit também foram apresentadas no CityLab, para que possíveis soluções aparecessem. Hoje, quais são os principais desafios da cidade?

Nós ainda temos altos indicadores de pobreza, entre os mais altos do país. Nosso sistema escolar não está operando da forma que deveria: índices de leitura e de matemática vão muito mal. E levar desenvolvimento econômico para os bairros mais afastados é um grande desafio.

Por mais interessante e incrível que seja o empreendedorismo, não é a resposta definitiva para pobreza e desemprego em massa. Enfrentamos muitas dificuldades para fornecer, às pessoas, as habilidades de que elas precisam para serem incorporadas ao mercado de trabalho.

E enquanto tem havido muito foco na criação de relações melhores entre Detroit e os subúrbios, o regionalismo ainda é uma questão. Algumas cidades vão melhor na cooperação regional - Mineápolis ou Toronto, por exemplo. Mas Detroit ainda sofre com isso.

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